Por Elisa Batalha/Revista Radis*
A Lei nº 12.305 prevê, desde 2 de agosto de 2010, que todos os rejeitos do país devem ter uma disposição final ambientalmente adequada em quatro anos. Traduzindo e atualizando o juridiquês, a lei — que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos no país — determina a desativação dos lixões a céu aberto. Na prática, seis meses depois de expirado o prazo, os lixões não foram todos extintos. A estimativa do Ministério do Meio Ambiente (MMA) é que 59% dos municípios brasileiros ainda dispõem seus resíduos em vazadouros a céu aberto ou aterros controlados (lixões com cobertura precária).
Há multa prevista para quem não cumpriu o prazo. De acordo com informações divulgadas no site do MMA, os artigos 61 e 62 do decreto 6.514 de 2008, que regulamenta a lei de crimes ambientais, prevê que quem causar poluição que possa resultar em danos à saúde humana ou ao meio ambiente, incluindo a disposição inadequada de resíduos sólidos, estará sujeito à multa de R$ 5 mil a R$ 50 milhões.
Os municípios alegam falta de verba e pleiteiam prorrogação do prazo previsto na Lei. “A maioria dos municípios brasileiros não teve condições técnicas e financeiras para cumprir o prazo estabelecido”, argumenta Francisco Lopes, secretário executivo da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (ASSEMAE). “A consolidação do fim dos lixões no Brasil é uma realidade ainda longe de ser alcançada. Sobre o impasse, acreditamos não ser possível impor prazos iguais a todos os municípios, afinal, cada um deles possui uma realidade econômica diferente”, diz ele, que defende a criação de um cronograma em escala para atender as normas da lei, com prazos diferentes conforme o número de habitantes dos municípios. “Os municípios com mais de 200 mil habitantes devem elaborar plano de saneamento, com disposição ambientalmente adequada até dezembro de 2015. Já as cidades de 50 a 200 mil habitantes teriam até final de 2016. O prazo para aqueles com menos de 50 mil moradores seria dezembro de 2017”, propõe.
Atentado ambiental
Em novembro de 2014, o Poder Executivo vetou o trecho de uma medida provisória aprovada pelo Congresso que previa a ampliação em mais quatro anos do prazo para municípios acabarem com lixões. O tema havia sido incluído pelos parlamentares na MP 651, que trata de outro assunto (medidas de incentivo à economia através de desonerações). “A prorrogação de prazos, da forma como prevista, contraria o interesse público, por adiar a consolidação de aspecto importante da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Além disso, a imposição de veto decorre de acordo realizado no plenário do Senado Federal com as lideranças parlamentares, que se comprometeram a apresentar alternativa para a solução da questão”, disse o vice-presidente da República Michel Temer, na justificativa do veto publicada no Diário Oficial da União em 14 de novembro de 2014.
O deputado federal Chico Alencar (PSOL/RJ) criticou o Congresso pela aprovação da medida que concedia mais prazo aos municípios, a que chamou de “atentado ambiental”. “Aqui na Câmara, quase todos se unem para enfiar em uma MP sobre fundos de renda fixa e ativos financeiros, um tremendo ‘jabuti’! Os mais de 2 mil que cumpriram a lei ficam prejudicados e as negociações com o Ministério Público para dosar as punições às Prefeituras que ainda não fizeram a coleta adequada e os aterros sanitários são jogadas fora. Enquanto a Pátria está distraída com as eleições presidenciais, o Parlamento comete um atentado ambiental (e antirregimental)”, escreveu o deputado em sua página na rede social Facebook à época.
A ambientalista Zilda Veloso, diretora de Meio Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, conta à Radis que o governo estuda um novo instrumento legal que estabeleça critérios para que o prazo possa ser prorrogado em casos especiais. “O Ministério entende a dificuldade dos municípios, mas simplesmente prorrogar o prazo para todos, sem nenhum critério, não é possível”, diz. O que está sendo feito, segundo ela, é uma articulação com o Ministério Público Federal para estabelecer uma estratégia de negociação dos prazos de encerramento dos lixões por meio de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) com as prefeituras. Ainda de acordo com a diretora, alguns municípios já foram notificados pelo Ministério Público para que dessem destinação adequada a seus resíduos.
“O governo não vai propor prorrogação dos prazos, mas é favorável a abrir debates sobre o aperfeiçoamento da lei”, afirmou ministra Izabella Teixeira, em matéria publicada no site do MMA (5/8/2014). Para ela, é necessário que sejam levadas em conta dificuldades de municípios pequenos, muitas vezes remotos, nem sempre em situação econômica favorável para implantar as ações necessárias. A maior parte do lixo é gerada nas grandes cidades, e a discrepância de volume produzido é muito grande, considerando o porte do município. Quase metade do volume total (que corresponde a mais de 300 mil toneladas de resíduos por dia) são produzidos por 5% dos municípios, um total de 299 cidades.
Planos simplificados
Os municípios de pequeno porte, com menos de 20 mil habitantes, podem elaborar planos simplificados de gestão integrada de resíduos sólidos. Os planos permitem que eles obtenham recursos do Governo Federal, específicos para o manejo dos resíduos e a implantação da coleta seletiva. Segundo o IBGE, até 2013, 1865 municípios haviam declarado possuir planos de gestão integrada de resíduos sólidos nos termos da PNRS.
O Governo Federal tem apoiado a formação de consórcios públicos como forma de tornar viável a gestão integrada de resíduos sólidos. Há a possiblidade também de municípios e estados optarem por contratos com empresas privadas para a execução de soluções e prestação de serviços. Questionada se as terceirizações abririam possibilidade para uma “privatização do lixo”, Zilda Veloso garante que a responsabilidade é do poder público. “Ele pode contratar, mas essa contratação não o exime de nada”.
Catadores não são prioridade
A pesquisadora Amanda Rodrigues acompanhou o fechamento do lixão localizado no bairro Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, na região da Baixada Fluminense, em 2012, quando realizava sua pesquisa de mestrado em Saúde Pública na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). Para ela, mesmo nos casos em que houve construção de aterro sanitário, isso não representa que a melhor solução socioambiental tenha sido encontrada. “O caso de Jardim Gramacho vem sendo considerado exemplo por ter conseguido encerrar o funcionamento do lixão e por ter concedido indenização para os 1.603 catadores. Mas que condições têm essas pessoas para disputar no mercado de trabalho?”, questiona.
“O fechamento de Jardim Gramacho foi um evento midiático”, considera a pesquisadora, lembrando que o aterro foi desativado em junho de 2012, às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). O local também recebeu bastante divulgação por ter sido retratado nos documentários Lixo Extraordinário, de Lucy Walker, e Estamira, de Marcos Prado, premiados internacionalmente.
Amanda relata que em setembro de 2013, ou seja, bem depois do encerramento do lixão, o governo do Estado do Rio de Janeiro ainda aguardava o fim do diagnóstico socioeconômico encomendado a um instituto de pesquisa para implementar melhorias na região onde ficava o lixão. “O curso profissionalizante que foi oferecido aos catadores só se iniciou depois da desativação do lixão. Eles são autônomos, estão acostumados a receber por dia. Alguns não sabiam somar. E depois? Não se fala mais nisso e ninguém volta para observar as condições de vida dessas pessoas. Mesmo assim, esse desfecho foi considerado moralmente aceitável”, afirmou.
*Matéria publicada na Revista Radis 149. Fevereiro de 2015. Veja
aqui a revista na íntegra.