Código Florestal: Falta o essencial, segundo cientistas
Mudanças no Código Florestal só são justificáveis se acompanhadas de políticas públicas que aproveitem de forma eficiente todo o potencial produtivo do Brasil, dizem especialistas
Desde sua criação, em 1965, o Código Florestal sofreu inúmeras modificações que só fizeram aumentar as críticas a essa legislação. A polêmica sobre o tema, portanto, não é nova. Já era de se esperar o embate no Congresso em torno da votação do substitutivo que vem sendo discutido desde 2009. A aprovação no Plenário da Câmara dos Deputados, no dia 24 de maio, quase um ano após aprovado o texto pela Comissão Especial da mesma casa, reacendeu os debates. A matéria ainda será objeto de análise e votação no Senado Federal.
Sob o ponto de vista da produção agrícola e agropecuária, os argumentos que defendem pontos polêmicos do texto são muito fortes. Mas não são menos convincentes os argumentos opostos, a favor da sustentabilidade ambiental. Porém, a questão que diz respeito a todos, indistintamente, talvez tenha sido pouco debatida no calor das discussões.
“O problema da agricultura brasileira não está nas restrições da lei ambiental. O que falta é política agrícola para aproveitar melhor todo o potencial produtivo deste país. Essa opinião não é só minha, mas de toda a comunidade científica”, afirma o professor Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba.
A questão levantada pelo professor Rodrigues está elucidada em documento produzido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC). Intitulada O Código Florestal e a Ciência: contribuições para o diálogo, a publicação, de junho de 2010 (disponível para download em www.sbpcnet.org.br), fornece subsídios técnico-científicos para diversas questões relativas ao novo Código Florestal.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também divulgou estudo, no dia 8 de junho, contabilizando as perdas de áreas de Reserva Legal (RL), caso aprovado o PL 1.876/99-C com o texto que passou na plenária da Câmara. (leia texto na página ao lado).
Ambos os documentos – o elaborado pela comunidade científica e o produzido pelo Ipea – trazem informações sobre os prejuízos não só aos sistemas florestais como à produtividade agropecuária em geral e, em última análise, a toda a sociedade, caso adotada a nova legislação, que pretende anistiar os passivos ambientais de determinados tipos de propriedades rurais.
Para os cientistas, as mudanças no Código Florestal brasileiro são apenas justificáveis caso sirvam de base “para políticas públicas inovadoras dentro do conceito do ordenamento territorial brasileiro e do planejamento da paisagem”.
Política agrícola – Ao contrário da visão vigente, de que Áreas de Preservação Permanente (APPs) e de Reserva Legal (RL) são “improdutivas”, tais faixas “deveriam ser consideradas como parte fundamental do planejamento agrícola conservacionista das propriedades”, mostra o documento da SBPC. Seria necessário um “cuidadoso planejamento integrado” compatibilizando os zoneamentos agrícola e ecológico-econômico, dentro de um novo conceito de “paisagens produtivas sustentáveis”.
A comunidade científica recomenda a implantação de “políticas públicas mais consistentes”, que garantam a todos os produtores a integração de tecnologias disponíveis a seus sistemas produtivos. “A percepção das RLs e das APPs como uma oportunidade deve ser acompanhada de políticas de Estado de apoio à agricultura que simplifiquem e facilitem os trâmites burocráticos. Para concretizar essa proposta, é indispensável uma articulação entre os órgãos federais, estaduais e municipais, visando à implementação da legislação ambiental, que não pode ficar sob a responsabilidade exclusiva do proprietário ou possuidor rural”, traz o estudo da SBPC.
A despeito da falta de planejamento na área agrícola, o Brasil é o maior produtor e exportador mundial de diversos gêneros agropecuários e, ainda, ocupa posição de destaque na produção de biocombustíveis. Porém, é justamente em função do processo histórico de ocupação do território brasileiro que aumentaram as pressões sobre o ambiente.
O levantamento da SBPC mostra que existem hoje no Brasil 61 milhões de hectares de terras degradadas, que poderiam ser recuperadas e usadas na produção de alimentos. Estima-se que o impacto da erosão ocasionado pelo uso agrícola das terras no Brasil é da ordem de R$ 9,3 bilhões anuais, que poderiam ser revertidos pelo uso de tecnologias conservacionistas e pelo planejamento de uso da paisagem.
O Censo Agropecuário de 2006 mostra que 38,7% do território nacional correspondia naquela época ao espaço agrícola brasileiro, ocupado por imóveis rurais. Do total de terras com potencial agrícola (5,5 milhões de km), 42,6% eram ocupados pelas principais atividades agrícolas do País, sendo a principal delas a agropecuária (18,6% do território brasileiro ou 48,1% do espaço agrícola). No entanto, a taxa de lotação das pastagens na pecuária extensiva ainda é baixa, com cerca de 1,1 cabeças/ha. Para o professor Ricardo Rodrigues, “qualquer alteração no Código Florestal deve prever o uso adequado de nossas áreas agrícolas”.
“Um pequeno investimento tecnológico, especialmente nas áreas com taxas de lotação inferiores a meia cabeça por hectare, pode ampliar essa capacidade, liberando terras para outras atividades produtivas e evitando novos desmatamentos”, mostra o levantamento da SBPC.
“Um pequeno investimento tecnológico, especialmente nas áreas com taxas de lotação inferiores a meia cabeça por hectare, pode ampliar essa capacidade, liberando terras para outras atividades produtivas e evitando novos desmatamentos”, mostra o levantamento da SBPC.
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