Representantes da comunidade científica reafirmam que reforma do Código Florestal traz prejuízos ambientais
Representantes da comunidade científica deixaram um recado simples e direto no Senado Federal na manhã desta terça-feira (5): o texto de reforma do Código Florestal aprovado pela Câmara dos Deputados, que agora tramita no Senado, “traz prejuízos ambientais ao povo brasileiro”. “Em alguns trechos, os prejuízos são muito intensos”, afirmou o professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), Ricardo Rodrigues.
Ele foi um dos seis cientistas que representaram a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) em audiência no Senado para discutir a reforma do Código Florestal. A audiência se deu em sessão conjunta de duas comissões permanentes do Senado: a Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle e a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária.
A SBPC e a ABC divulgaram estudo no começo do ano – O Código Florestal e a Ciência, Contribuições para o Diálogo – em que fazem análise detalhada dos impactos que traria a reforma proposta, mas a análise não foi considerada no texto aprovado pela Câmara dos Deputados.
O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Antônio Donato Nobre disse que o estudo ajudou a derrubar a ideia de que as áreas de preservação permanente ocupam grandes áreas nas propriedades rurais. Segundo ele, o estudo mostrou que apenas 7% do total estão protegidos em APPs.
Nobre também salientou que as faixas de proteção da mata nativa às margens dos rios, da forma como estão estabelecidas no atual Código Florestal, ainda não atendem a necessidade orgânica de preservação. “O código atual não protege o brejo, por exemplo”, disse o pesquisador.
Os brejos, assim como os mangues, as várzeas e demais áreas úmidas, são importantes pela sua rica biodiversidade e pelas funções ecológicas. A biodiversidade das áreas úmidas inclui, por exemplo, os anfíbios, grupo no qual o Brasil é “vice-campeão” mundial e que mais vem sendo ameaçado pelas mudanças climáticas. Dentre as funções ecológicas das áreas úmidas estão a sua importância para o ciclo de vida aquática e como retardo de enchentes, com a retenção das águas.
O chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente, Celso Manzatto, disse que o Código Florestal precisa enfrentar o que ele chamou de “nosso principal vilão”: a erosão de solos. “Este é o principal impacto decorrente da agricultura”, explicou o pesquisador aos senadores.
“Nossos solos levaram muitos milhares de anos para se formar. Perdê-los e deixar no seu lugar áreas degradadas, de baixa produtividade agropecuária deveria até ser considerado um crime contra o patrimônio nacional”, completa Claudio Maretti, líder da Iniciativa Amazônia Viva da Rede WWF.
Alguns ambientes e tipos de vegetação, como as localizadas ao longo dos corpos d’água e nas encostas mais íngremes, são particularmente importantes para evitar a erosão. “Devem ser protegidas pelo proprietário rural que também deve cuidar das terras com boas práticas como nivelamento do plantio, manutenção da biota do solo, rotação de culturas, cuidados com a drenagem etc”, explica Maretti.
A reforma do Código Florestal, em tramitação no Senado Federal, foi aprovada na Câmara dos Deputados em maio. O texto dos deputados contrasta com as críticas da comunidade científica, das organizações sociais e ambientais e da própria opinião pública, como demonstrou pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha em junho. A pesquisa de percepção pública mostrou que a maioria da população não concorda com os principais pontos do texto. Para 85% dos entrevistados, a prioridade deve ser para a proteção das florestas e dos rios, e não para a produção agropecuária.
A pesquisa mostrou também que apenas 5% da população concordam com o perdão a desmatadores em relação à reposição da vegetação natural, mesmo que tenham derrubado florestas para produzir.
A população tampouco concorda com a proposta de anistiar as multas aplicadas. Uma das propostas do novo Código Florestal é que todos os proprietários de terra que desmataram ilegalmente até junho de 2008 fiquem isentos de multas e punições. O Datafolha perguntou se o entrevistado era “a favor ou contra que esses proprietários de terra sejam perdoados das multas”, e 79% das pessoas ouvidas disseram ser contra perdoar as multas.
O mesmo percentual de brasileiros também considera que se a anistia for aprovada pelo Congresso, a presidente Dilma deveria vetar o perdão.
A pesquisa mostrou, ainda, que os eleitores não estão dispostos a votar novamente em parlamentar que votar a favor da isenção de multas e de punições aos proprietários de terra que desmataram ilegalmente. Entre os entrevistados, 84% disseram que não votariam novamente nesses parlamentares.
A reforma do Código Florestal segue em tramitação nas comissões do Senado. Nesta quarta-feira, 6/7, está prevista mais uma audiência pública, desta vez na Comissão de Ciência e Tecnologia. Esgotada a fase de debates nas comissões, o projeto de lei irá à votação em Plenário. Os senadores esperam concluir o processo até o final do ano. Caso haja alterações no texto original, a matéria volta à Câmara para análise dos deputados.
“Esperamos que o Senado Federal ouça a sociedade e dê melhor espaço para discussões construtivas, baseadas no conhecimento científico, olhando para o bem do Brasil, que poderá ter um grande futuro como líder de um desenvolvimento verde, garantindo a produção de alimentos, mas buscando os melhores mercados, com produtos de alta qualidade sanitária e ambiental. Além disso, o Código Florestal serve a outros interesses da sociedade brasileira, como o potencial da exploração florestal sustentável, do ecoturismo, da defesa de nossa cultura e da minimização dos impactos pelos eventos climáticos mais drásticos”, conclui o líder da Iniciativa Amazônia Viva.
Fonte: WWF Brasil
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