Somos um país rico em patrimônio natural, livre e pluralista, mas com graves indicadores de violência, desigualdade e pobreza. Estamos entre as 7 maiores economias do mundo, mas não conseguimos dar educação de qualidade e garantir bom atendimento de saúde para todos. Somos um país soberano e independente, mas com pouca capacidade de interferir nos fóruns e mercados globais. Não valorizamos nossas riquezas, a começar pela diversidade étnico-cultural de nosso povo e o domínio sobre parte considerável da biodiversidade e da água doce do planeta, num território de extensão continental com uma rica variedade de biomas cujo papel é fundamental no equilíbrio climático e no desenvolvimento científico, tecnológico e econômico mundial.
Nas últimas décadas iniciamos trajetória de construção da democracia e de redução das desigualdades sociais, mas persiste a concepção de crescimento com a exploração predatória dos recursos naturais (como se infinitos fossem), com baixa agregação de valor e uso intensivo de agrotóxicos. Na contramão do conceito de sustentabilidade, usado mais como marketing do que colocado em prática, também se inclui a crise de sustentabilidade política, com o descrédito dos parlamentares e do sistema de representação, porque afastam a maior parcela da sociedade das decisões, levando-a ao alheamento político. Permanecem hegemônicas as velhas práticas políticas que vêm do colonialismo, sob forma de clientelismo, fisiologismo, populismo e outras formas de dominação e corrupção que ainda configuram uma cultura arraigada e difícil de mudar. O processo de construção da nossa república ainda está incompleto.
A pretexto de gerar condições de governabilidade, as coalizões enredaram-se numa lógica que prega o pragmatismo e alimenta o fisiologismo partidário para a formação de base de apoio parlamentar. A maioria dos programas são feitos sob medida para os períodos eleitorais, seguindo métodos sofisticados de marketing político. O Estado a serviço dos partidos, ao invés de servir à sociedade, interage com o poder econômico, numa cultura viciosa de uso privado dos bens públicos que leva a insuportáveis distorções na aplicação dos recursos financeiros, tecnológicos, naturais e humanos do Brasil. O interesse público fica refém do poder econômico, do calendário político e das conveniências e acordos de bastidores. Chegamos a um ponto perigoso de relativização ética e de aceitação, como se fossem “naturais”, de práticas lesivas à sociedade.
Em oposição ao ‘status quo’, as redes, como forma de agregação e organização, são uma invenção do presente que possibilita um grau de participação ativa da cidadania, até então inédita e sem precedentes em qualquer outra Era da História. O auxílio das novas tecnologias de informação e comunicação pode agora ser usado em favor de ideias e da aglutinação de uma força política transformadora, criativa, empreendedora e radicalmente democrática.
É em rede com a sociedade que surge a esperança de construção de um novo modelo de desenvolvimento: sustentável, inclusivo, igualitário e diverso. No mundo afora e no Brasil, se constata a eclosão de movimentos de protesto, um número cada vez maior de pessoas vai à luta, de múltiplas maneiras, para aumentar sua participação direta nas decisões sociais e no controle da esfera pública, numa ação política cidadã para sintonizá-la com as demandas e desafios das crises globais que clamam por respostas urgentes.
São questões urgentes as mudanças nos modelos econômico, político, na qualidade da educação e da saúde, na segurança cidadã e numa cultura de respeito aos direitos humanos, contra as discriminações, além de uma reforma urbana, do sistema de transportes e de produção energética. Esse “diagnóstico do país” que compartilho aqui não é de autoria individual, minha, mas coletiva: faz parte de um texto em discussão na Rede Sustentabilidade (lançada no último dia 16 em Brasília), para dizer a que veio.
Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra
EcoDebate, 25/02/2013
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