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sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Biodiversidade: regulamentação vai definir gestão e repartição de benefícios


A Lei da Biodiversidade, sancionada em maio deste ano, está em processo de regulamentação e a participação direta de povos e comunidades tradicionais, povos indígenas e agricultores familiares nesse processo deve garantir paridade nos órgãos de gestão do patrimônio genético.

Segundo o diretor do Departamento de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, Rafael Marques, um dos pontos mais importantes a ser definido na regulamentação é a composição do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), a autoridade máxima quando o assunto é patrimônio genético, conhecimento tradicional e repartição de benefícios. “Como ele será composto, quem estará presente pela sociedade civil e como ele vai funcionar, tudo isso vai ser feito por meio de regulamentação e eles podem ajudar a fazer isso.”

Cerca de 80 representantes de vários setores da sociedade civil participam da oficina regional, em Rio Branco, no Acre, sobre a regulamentação da Lei da Biodiversidade. O evento, organizado por um grupo de trabalho da Comissão Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais e conduzido pelo Ministério do Meio Ambiente, tem o objetivo de criar um espaço de esclarecimento, diálogo e qualificação da participação de povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares no processo de regulamentação da lei.

Cada região do país receberá uma oficina, exceto a Região Norte onde haverá duas. A próxima será em Belém, no Pará, entre 2 e 4 de setembro.

Além da participação no conselho, Marques explicou que outro ponto importante a ser regulamentado é o Comitê Gestar do Fundo Nacional de Repartição de Benefícios. “É um fundo que vai gerir todos os recursos que chegarem por meio de repartição de benefícios, a serem usados para políticas de conservação da biodiversidade, valorização e proteção de conhecimentos tradicionais associados. A lei garante que eles participarão da gestão do fundo então eles, também têm que opinar nessa regulamentação”, acrescentou o diretor.

Existem ainda alguns procedimentos importantes para que a lei seja aplicada, por exemplo, o direito de negar o acesso ao patrimônio genético. “A lei garante que você possa negar o acesso, mas não diz como isso vai ser feito. Há vários outros pontos que eles [a sociedade civil] estão elencando, mas esses são os mais recorrentes nas nossas conversas.”

Desde o dia 12 de junho está aberta, na página do Ministério do Meio Ambiente na internet, consulta pública sobre a regulamentação da lei e, a partir de setembro, a minuta do texto do decreto será inserida para críticas e sugestões. “Essa minuta tem a ver com as contribuições que chegaram antes, com as reuniões que já tivemos com representantes da indústria, da academia e com representantes dos setores que estão aqui nas oficinas”, afirmou Marques.

A Lei da Biodiversidade tem prazo de 180 dias para a regulamentação. (Fonte: Agência Brasil)

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Projeto de construção de hidrelétrica causa polêmica no Sul de Minas


O projeto de construção de uma usina hidrelétrica entre Gonçalves (MG) e Paraisópolis tem causado polêmica entre os moradores da região. A empresa Federal Energia já começou a fazer os estudos para a obra, que deve custar R$ 7 milhões, e parte das terras já foi até comprada. No entanto, proprietários da área que ainda falta ser adquirida se recusam a vender, temendo que as cachoeiras das cidades sejam prejudicadas.

Um deles é Paulo José das Neves, dono do terreno onde fica a Cachoeira dos Henriques, bem na divisa entre os dois municípios. A área é a que a empresa mais precisa para colocar a usina em funcionamento.

“Eles me pagariam 1% da renda livre da usina. Isso ele me falou. E me põe no contrato. Agora dizem que eles me dariam três salários mínimos, agora por último. Eu achei que era mais interessante ficar com a cachoeira do que esse salário”, afirma Neves.

Benedito Celso das Neves, filho de Paulo, já viu o projeto e acompanha com preocupação as negociações. “Eu acho que o prejuízo é muito grande pra natureza”, comenta.

Éric Menezes de Azevedo, sócio-diretor da Federal Energia, diz que a construção da usina, que teria capacidade de gerar 1,8 megawatts/hora, vai seguir os moldes da Usina das Antas Um, em Poços de Caldas (MG). Também está previsto um parque ecológico. Ele espera convencer os moradores da cidade com uma campanha.

“A gente pretende fazer lá um parque florestal nas nossas terras, onde hoje são pastos, para que toda a comunidade possa ir lá e visitar a cachoeira com segurança”, afirma.

Mas um grupo de moradores organizou um abaixo-assinado online para recolher assinaturas contra o projeto e já conseguiu mais de 2 mil nomes. “Interfere num monte de coisas, mas o principal seria a nossa fauna e a nossa flora”, diz a funcionária pública Ana Tegami.

Projeto de lei – Para proteger as quedas d’água da região, um projeto de lei foi criado para transformar 15 cachoeiras do município em patrimônio natural, entre elas a Cachoeiras dos Henriques. Em uma sessão lotada, os vereadores aprovaram a proposta e o documento foi assinado pela prefeita Maria de Lourdes das Neves, proibindo a exploração mineral.

Fernando Costa, assessor da prefeitura do município, diz que a empresa responsável pela obra não procurou a administração das cidades. “É uma tentativa de barrar esses empreendimentos que venham a degradar as nossas belezas naturais”, afirma. (Fonte: G1)

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Dieta rica em carboidratos foi chave para inteligência humana, diz estudo


Eles têm má reputação entre quem quer perder peso, mas tudo indica que, há milhares de anos, alimentos ricos em carboidratos – como os tubérculos – foram cruciais para que ficássemos mais inteligentes.

Ao menos é esta a conclusão de um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Autônoma de Barcelona, University College of London e Universidade de Sydney, que afirmam que o consumo de plantas ricas em amido foi fundamental para a evolução de nossa espécie.

A razão é simples: a glicose é um dos principais combustíveis do cérebro.

E, segundo o estudo, o desenvolvimento de nossa capacidade de obter açúcares dos carboidratos – e, em particular, dos amidos – sustentou o acelerado crescimento do cérebro “que começou a notar-se a partir do [período] Pleistoceno Médio”.

“A capacidade de aproveitar raízes e tubérculos ricos em amido na dieta dos primeiros hominídeos é considerado um passo potencialmente crucial na diferenciação entre os primeiros Australopitecinos de outros hominídeos”, diz o estudo, publicado na mais recente edição do The Quarterly Review of Technology.

Em uma linguagem mais simples, isso quer dizer que uma dieta com alimentos ricos em carboidratos deu a nossos antepassados uma importante vantagem evolutiva (que algumas das dietas modernas ou em moda ignoram).

Os humanos têm três vezes mais cópias do gene que cria as amilases salivares – enzimas que ajudam a transformar os carboidratos em açúcares – do que o resto dos primatas.

E essa adaptação, dizem os pesquisadores, começou a ser produzida há aproximadamente um milhão de anos.

A importância da culinária – Neste momento, os humanos já haviam aprendido a cozinhar.

E a multiplicação das amilases salivares havia sido uma das respostas de nosso organismo às possibilidades abertas pelo uso do fogo, pois os tubérculos crus são muito mais difíceis de processar e transformar em açúcares utilizáveis.

Segundo a equipe liderada por Karen Hardy, da Universidade Autônoma de Barcelona, isso confirma a importância da cozinha na evolução humana – e é uma má notícia para quem propõe dietas crudívoras (com alimentos de origem agrícolas crus).

Mas uma das hipóteses principais – a ideia de que, sem carboidratos, a nova dieta não haveria gerado combustíveis necessários para nossa rápida evolução – também deu novos argumentos aos críticos da chamada “dieta paleolítica” ou “dieta paleo”.

Essa “dieta dos homens das cavernas” se baseia na ideia de que a dieta dos nossos antepassados era composta principalmente por plantas silvestres e animais selvagens.

E, em geral, exclui alimentos ricos em amido, que responsabiliza por boa parte da obesidade que afeta a sociedade moderna.

Hardy e sua equipe acreditam que esse não é um retrato adequado da verdadeira dieta de nossos antepassados.

“Alimentos provenientes de plantas ricas em amido eram uma parte abundante, confiável e importante da dieta”, argumentam no estudo, intitulado A importância da dieta de carboidratos na evolução humana.

Eles afirmam que esses carboidratos não só eram comuns como também foram definidores da evolução humana. E continuam sendo necessários.

“Os humanos modernos requerem uma fonte confiável de carboidratos glicêmicos para manter o funcionamento adequado de nosso cérebro, médula renal [parte do rim], glóbulos vermelhos e tecidos reprodutivos”, explicam.

O que não significa que reduzir o consumo de calorias não seja saudável. Mas certamente confirma que, antes de começar qualquer dieta, uma consulta com um médico é um passo necessário. (Fonte: G1)

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Anvisa: um terço dos alimentos consumidos no Brasil está contaminado por agrotóxico




Em audiência pública promovida nesta segunda-feira pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, especialistas assinalaram que um terço dos alimentos consumidos no dia a dia pelos brasileiros está contaminado por agrotóxicos. A análise foi feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com base em amostras coletadas nos 26 estados em 2011.

O debate sobre o vínculo entre agrotóxicos e doenças graves foi realizado na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul.

Os agrotóxicos usados na agricultura, no ambiente doméstico e em campanhas de saúde pública como inseticida estão associados a diversas doenças como o câncer, o mal de Parkinson e a depressão.

O pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Luiz Claudio Meirelles, alertou para a ingestão contínua de quantidades pequenas de agrotóxicos no dia-a-dia. “75% dos alimentos têm resíduos de agrotóxicos. A cada vez que você bota uma refeição na mesa, ela está ali com uma quantidade de resíduos enormes, e os estudos têm mostrado que chegam a 17 diferentes tipos de agrotóxicos para o qual a ciência sequer tem ferramental para dizer como é que isso vai funcionar para a vida.”

Herbicidas banidos

Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca) alguns herbicidas banidos do mercado internacional ainda têm livre trânsito no País. É o caso do glifosato, usado no plantio da soja geneticamente modificada. Esse agrotóxico, que foi associado ao surgimento de câncer pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é o mais consumido no Brasil.

A pesquisadora do Inca, Márcia Sarpa, acredita que a Anvisa precisa reavaliar o teor nocivo de alguns agrotóxicos. Entre as medidas defendidas pelo instituto, ela cita proibir também no Brasil o uso de agrotóxicos que já são proibidos em outros países. “Se já são proibidos em outros países, porque jogar para a gente.” O Inca também propõe o fim dos subsídios públicos aos venenos e a implantação também nos municípios das vigilâncias em saúde dos trabalhadores expostos e da população.

Durante o debate, o deputado Zeca do PT (MS) afirmou que para enfraquecer o uso de herbicidas ilegais, a ideia é apresentar um projeto de lei na Câmara por intermédio da bancada do PT e do Núcleo Agrário, “que determine que a propriedade em que for encontrado produto agrotóxico contrabandeado, com componentes que sejam proibidos no Brasil, essa propriedade seja passível de ser desapropriada para efeitos de reforma agrária.”

Para ser comercializado no Brasil, o agrotóxico deve passar pela análise da Anvisa, vinculada ao Ministério da Saúde, e também dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente.

Reportagem – Emanuelle Brasil
Edição – Regina Céli Assumpção

Informações da Agência Câmara Notícias, in EcoDebate, 18/08/2015

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Na maioria das cidades e capitais a Política Nacional de Resíduos Sólidos ainda não saiu do papel


Maioria das cidades e capitais não têm aprovada uma política de reciclagem e coleta seletiva como prevê a lei 12.305 de 2010.




Aprovada em 2010, a Política Nacional de Residuos Solidos (Lei 12.305/10) foi discutida por quase 20 anos no Congresso Nacional, mas embora seja considerada por especialistas como uma boa lei, existe uma preocupação sobre sua efetividade, porque ela exige uma participação ampla da sociedade. Mas qual o problema? Qual a dificuldade de separar o lixo? A população está consciente da importância de separar o lixo seco do orgânico e está fazendo a sua parte?

De acordo com o presidente da Coop Tubiacanga, cooperativa de catadores de materiais recicláveis com sede na Ilha do Governador, Vanderson Sabino, o discurso de que não adianta fazer a seleção do lixo em casa, porque o caminhão da limpeza urbana não tem este recurso, é verdade que falta recurso e é necessário ampliar a coleta seletiva, mas a população tem consciência sim da coleta seletiva. Ele agradece à população que faz a coleta seletiva em casa, porque o que ele recebe é muito bem separado e a qualidade do lixo seco é excelente.

Segundo o presidente do Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana no Estado de São Paulo (SELUR), Ariovaldo Caodaglio, uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas mostra que a população tem conhecimento de que jogar lixo na rua, deixar de fazer a coleta seletiva e outros procedimentos é errado. “Todos têm consciência da coleta seletiva. Então parece que falta o envolvimento, fazer essa população ter comprometimento com a própria cidade em que vive, da importância da coleta seletiva em relação a todas as questões ambientais”, avalia.

Para a diretora de Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Zilda Veloso, “é importantíssimo o papel do cidadão na separação o seu lixo. E mesmo que as prefeituras não tenham implantado a coleta seletiva, há catadores na maioria das cidades brasileiras”.

Ouça a entrevista em mesa redonda sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, nesta rede de informação das Rádio Nacional de Brasília, Nacional do Rio e MEC AM do Rio de Janeiro, ancorada pelos jornalistas Marco Aurélio Carvalho e Valter Lima.

* Para acessar o áudio em seu player e/ou fazer o download do arquivo MP3 clique aqui

in EcoDebate, 17/08/2015

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Um desafio permanente: cuidar de si mesmo


Ao assumir a categoria “cuidado” na relação para com a Mãe Terra e para com todos os seres, o Papa Francisco reforçou não só uma virtude mas um verdadeiro paradigma que representa uma alternativa ao paradigma da modernidade que é a da vontade de poder /dominação que tantos prejuízos trouxe.

Devemos cuidar de tudo, também de nós mesmos, pois somos o mais próximo dos próximos e, ao mesmo tempo, o mais complexo e o mais indecifrável dos seres.

Sabemos quem somos? Para que existimos? Para onde vamos? Refletindo nestas perguntas inadiáves vale lembrar a ponderação de Blaise Pascal (+1662) talvez a mais verdadeira.

Que é o ser humano na natureza? Um nada diante do infinito, e um tudo diante do nada, um elo entre o nada e o tudo, mas incapaz de ver o nada de onde veio e o infinito para onde vai (Pensées § 72).

Na verdade, não sabemos quem somos. Apenas desconfiamos como diria Guimarães Rosa. Na medida em que vamos vivendo e sofrendo, lentamene desvendamos quem somos. Em último termo: expressões daquela Energia de fundo (Deus ?) que tudo sustenta e tudo dirige.

Junto com aqulo que de fato somos, existe também aquilo que potencialmente podemos ser. O potencial pertence tambem ao real, quem sabe, a nossa melhor parte. A partir deste transfundo, cabe elaborarmos chaves de leitura que nos orientam na busca daquilo que queremos e podemos ser.

É nesta busca que o cuidado de si mesmo desempenha uma função decisiva. Não se trata, primeiramente, de um olhar narcisista sobre o próprio eu o que leva, geralmente, a não conhecer-se a si mesmo mas identificar-se com uma imagem projetada de si mesmo e, por isso, falsa e alienante.

Foi Michel Foucauld com sua minuciosa investigação Hermenêutica do sujeito (2004) que tentou resgatar a tradição ocidental do cuidado do sujeito, especialmente nos sábios do século II/III como Sêneca, Marco Aurélio, Epicteto e outros. O grande motto era o famoso ghôti seautón, conheça-te a ti mesmo. Esse conhecimento não era algo abstrato mas muito concreto como: reconheça-te naquilo que és, procure aprofundar-te em ti mesmo para descobrires tuas potencialidades; tente realizar aquilo que de fato podes.

Neste contexto se abordavam as várias virtudes, tão bem discutidas por Sócrates. Ele advertia evitar o pior dos vícios que para nós se tormou comum:a hybris. Hybris é o ultrapssar os limites e colocar-se acima dos outros. Talvez o maior impasse da cultura ocidental, da cultura cristã, especialmente da cultura estadounidense com o seu imaginado Destino Manifesto (o sentir-se o novo povo eleito por Deus) é a hybris: o sentimento de superioridade e de excepcionalidade, impondo aos outros nossos valores.

A primeira coisa que importa afirmar é que o ser humano é um sujeito e não uma coisa. Não é uma substância, constituída uma vez por todas mas um nó de relações sempre ativo que mediante a cadeia das relações está continuamente se construindo, como o faz o universo. Todos os seres consoante a nova cosmologia, são portadores de certa subjetividade porque têm história, vivem em interação e interdependência de todos com todos, aprendem trocando e acumulando informações. Esse é um princípio cosmológico universal. Mas o ser humano realiza uma modalidade própria deste princípio que é o fato de ser um sujeito consciente e reflexo. Ele sabe que sabe e sabe que não sabe e, para sermos completos, não sabe que não sabe.

Este nó de relações se articula a partir de um Centro ao redor do qual organiza as relações com todos os demais. Esse eu profundo nunca está só. Sua solidão é para a comunhão. Ele reclama um tu. Melhor, segundo Martin Buber, é a partir do tu que o que eu desperta e se forma. Do eu e do tu nasce o nós.

O cuidado de si implica, em primeiríssimo lugar, acolher-se a si mesmo, assim como se é com suas aptidões e seus limites. Não com amargura como quem quer modificar a sua situação existencial. Mas com jovialidade. Acolher o próprio rosto, cabelos, pernas, seios, sua aparência e modo de estar no mundo, em fim seu corpo (Veja Corbin e outros, O corpo, 3 vol. 2008). Quanto mais nos aceitamos menos clínicas de cirurgias plásticas existirão. Com as características físicas que temos, devemos elaborar nosso jeito de ser no mundo.

Nada mais ridículo que a construção artificial de uma beleza moldada em disssonância com a beleza interior. É a tentativa vã de fazer um “photoshop” da própria imagem.

O cuidado de si exige saber combinar as aptidões com as motivações. Não basta termos aptidão para a música se não sentimos motivação para ser músico. Da mesma forma, não nos ajudam as motivações para sermos músico se não tivermos a aptidão para isso. Disperdiçamos energias e colhemos frustrações. Ficamos medíocres, o que não engrandece.

Outro componente do cuidado para consigo mesmo é saber e aprender a conviver com a dimensão de sombra que que acompanha a dimensão de luz. Amamos e odiamos. Somos feitos com estas contradições. Antropologicamente se diz que somos ao mesmo tempo sapiens e demens, gente de intligência e junto a isso gente de rudeza. Somos o encontro das oposições.

Cuidar de si mesmo é poder criar uma síntese onde as contradições não se anulam mas o lado luminoso predomina.

Cuidar de si mesmo é amar-se, acolher-se, reconhecer sua vulnerabilidade, poder chorar, saber perdoar-se e perdoar e desenvolver a resiliência que é a capacidade de dar a volta por cima e aprender dos erros e contradições. Então escrevemos direito apesar das linhas tortas.

Artigo de Leonardo Boff

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Conjunto de ONGs lança manifesto rechaçando medidas da ‘Agenda Brasil’


A Agenda Brasil, plano de recuperação econômica divulgado ontem pelo Governo Federal, é uma proposta que destrói o Brasil antes de salvá-lo. Conjunto de ONGs lança manifesto rechaçando medidas.


Lançada ontem (11/8) pelo Governo Federal e senadores da base aliada, a Agenda Brasil é um pacote de 28 medidas para combater a crise. No entanto, a iniciativa acaba por revelar a incapacidade do governo de formular um plano nacional que enxergue o meio ambiente, não como entrave, mas como alavanca para desenvolver e modernizar o Brasil.

O plano embutido na Agenda Brasil é fazer mais do mesmo. O meio ambiente à reboque da economia e a inclusão social, do aumento do consumo e não pela garantia dos direitos básicos aos cidadãos. Em reação ao documento, conjunto de organizações da sociedade civil, entre elas o Greenpeace, divulgou manifesto rechaçando as medidas apresentadas.


O governo federal mais uma vez perde a chance de fazer diferente. Mostra não conseguir enxergar oportunidades na crise. Ao invés de repensar os rumos do País, continua com a implantação de programas emergenciais, que são desenhados no atropelo, porém que definem as condições de vida da sociedade por muitas décadas. É a lógica de empurrar o problema com a barriga, adotando medidas com impacto negativo na população e no meio ambiente.

Já passou da hora de pensar um modelo de desenvolvimento que respeito a diversidade socioambiental do Brasil, levando em conta os mais diversos recursos que o País dispõe. É o momento de mostrar que a floresta em pé é mais valiosa que a floresta no chão; é a hora do desmatamento zero. É o momento de reconhecer que quem mora longe dos centros urbanos também é cidadão brasileiro e de entender que, quando a água da torneira seca em casa, é por que a mata ciliar que protege rios e a floresta foram destruídas. É impossível salvar o Brasil destruindo o Brasil.

Pontos críticos

Dividida em três áreas, “Melhoria do Ambiente de Negócios e Infraestrutura”, “Equilíbrio Fiscal” e “Proteção Social”, a Agenda Brasil contém diversos pontos críticos em relação ao meio ambiente, que segue sendo visto pelo governo e pelo setor privado como um empecilho para o desenvolvimento brasileiro.

As terras indígenas são colocadas dessa maneira, como entraves para a recuperação da crise, e propõe-se a revisão dos marcos jurídicos que as regulam para acelerar as obras de infraestrutura. A proposta tem o claro objetivo de transformar essas terras em locais de atividades produtivas, ou seja, torná-las rentáveis aos olhos da União. Não se leva em conta, como de costume, os povos tradicionais que alí habitam, suas culturas e hábitos, e muito menos os serviços prestados por estes territórios preservados, como a regulação climática, a produção de chuvas e a manutenção da biodiversidade, entre outros.

A proposta também quer incentivar a mineração a partir da implementação de um novo marco jurídico para o setor. Isso vai gerar uma corrida, sem regra conhecida e com potencial dramático de destruição, às riquezas que hoje pertencem à União.

Outro ponto de atenção é que a Agenda Brasil estipula a revisão da legislação de licenciamento ambiental em zonas costeiras, áreas naturais protegidas, unidades de conservação e cidades históricas. Além disso, pede por uma “PEC das Obras Estruturantes”, pela qual os processos de licenciamento ambiental referentes às obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e dos programas de concessões seriam simplificados.

Enquanto a Agenda Brasil tenta enfraquecer o processo de licenciamento ambiental, a presidente discursa apresentando o Programa de Investimento em Energia Elétrica, enaltecendo os esforços do governo no que tange ao licenciamento. O problema é que a própria diz que “as hidrelétricas foram feitas com cuidado e rapidez” e, quando olhamos para a realidade, especialmente para as usinas do Rio Madeira e para Belo Monte,no Xingu, vemos no que ‘rapidez’ se traduz: impactos socioambientais graves e irreversíveis, sentidos principalmente pela população mais pobre.

A marcha da insensatez agora avança sobre o Rio Tapajós, no Pará, com o governo tentando empurrar goela abaixo de comunidades ribeirinhas e povos indígenas a construção da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós.

O Procurador do Ministério Público Federal, João Akira, em artigo publicado na mais recente edição da Revista Greenpeace, pontua que os problemas do licenciamento ambiental são de outra natureza e não dizem respeito à velocidade da marcha procedimental, mas à sua qualidade e à decisão política de investimento na sua eficácia. “O que se verifica não são essencialmente falhas normativas, mas défice democrático e deficiências na condução dos procedimentos, o que tornam injustificáveis muitas das decisões tomadas. O exercício do poder político e a expansão do poder econômico já não se satisfazem com o sacrifício dos há muito sacrificados, agora querem que seja feito tudo muito rápido”, afirmou Akira.

Acelerar o licenciamento destes projetos tende a expor a população aos risco do planejamento ruim, abre a porta para a ja endêmica indústria de corrupção comum as estas obras. Taí a Lava-Jato com uma cachoeira de exemplos lamentáveis. Estes grandes projetos, como as hidrelétricas na Amazônia, são sempre acompanhados de grandes impactos ambientais – muitos deles irreversíveis. São obras que atingem áreas de preservação permanente, derramam óleo no mar, que contaminam e represam os rios, deslocam milhares de pessoas e contribuem para o desmatamento.

Público ou privado?

Como se não bastasse, o pacote de medidas ainda pede a revisão do marco regulatório das concessões, para favorecer os investimentos privados em projetos de infraestrutura. São aqueles projetos de uso público e comum que o Estado transfere a execução para o setor privado. Ou seja, são todos aqueles projetos que deveriam atender à população brasileira e não à lógica econômica financeira. Isso está diretamente ligado com outro ponto da tal “agenda”, que pede a implantação de uma “Avaliação de Impacto Regulatório”, para que o Senado possa dimensionar as consequências das normas dessas concessões nos investimentos em infraestrutura. O que se esquece, uma vez mais, é que seria necessário avaliar o impacto também na vida das pessoas.

Em resumo, a Agenda Brasil mais uma vez se fortalece o discurso de enfraquecer o princípio da precaução, das salvaguardas ambientais e os direitos coletivos. Enfraquece sobretudo uma alternativa para o desenvolvimento do Brasil que concilie produção e preservação, desenvolvimento com transparência e respeito aos recursos naturais, econômicos e humanos. Por tudo isso, com a Agenda Brasil o governo reenforça sua torpe miopia.

Informações do Greenpeace Brasil, in EcoDebate, 12/08/2015

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Sancionada lei que permite anistia das multas ambientais


Foi sancionada, hoje, pelo governador Fernando Pimentel, a lei nº 21.735/2015, que “dispõe sobre a constituição de crédito estadual não tributário, fixa critérios para sua atualização, regula seu parcelamento, institui remissão e anistia e dá outras providências”.

A nova lei permite ao Sistema Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) anistiar multas ambientais de até R$ 15 mil, cujo auto de fiscalização ou boletim de ocorrência e de infração tenham sido emitidos até 31/12/12, e no valor de até R$ 5 mil, para auto de fiscalização ou boletim de ocorrência e de infração emitidos entre 31/12/12 e 31/12/2014. “Um processo de cobrança judicial, hoje, para o Estado de Minas Gerais, está em torno de R$ 16 mil, segundo cálculos da Advocacia Geral do Estado. Qualquer cobrança de crédito abaixo desse valor significa que o Estado paga para receber”, explica secretário de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Sávio Souza Cruz.

Com a lei, o Sisema pretende resolver o colapso do licenciamento, herdado do governo passado. Quando Sávio Souza Cruz assumiu o Sisema, encontrou cerca de 2,7 mil processos de licenciamento, 14 mil outorgas e 5,4 mil intervenções de vegetação parados e aproximadamente 120 mil autos de infração correndo risco de prescrição.


Foto: Janice Drumond
"Anistia não pode ser confundida com impunidade", diz Sávio.

“O governo passado não aplicava nenhuma penalidade aos infratores. Agora, apesar da anistia, serão cobrados cerca de 80% do valor dessas multas. Além do mais, os infratores não sairão impunes, pois as outras penalidades, como reparação do dano, por exemplo, serão aplicadas. O nome do infrator será também anotado para fins de reincidência. A anistia não pode ser confundida com impunidade”, enfatiza o secretário.

Também está previsto na lei o parcelamento do crédito não tributário, seguindo as seguintes regras:

Em até 60 vezes - 30% de desconto 
Cinco parcelas - 50% de desconto 
Quatro parcelas – 60% de desconto
Três parcelas – 70% de desconto
Pagamento à vista – 90% de desconto

As multas aplicadas a partir de 1º de janeiro de 2015 serão cobradas na sua íntegra.

Ainda conforme a nova lei, o Estado poderá delegar aos municípios a competência para promover o licenciamento e a fiscalização ambiental de atividades e empreendimentos efetiva ou potencialmente poluidores. Assim, pretende-se reduzir a concentração de licenciamentos na Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).

“Esta concentração leva a situações impensáveis como o licenciamento de um posto de gasolina, em Uberlândia, cidade com quase 700 mil habitantes, ter que ser processado pelo Estado”, analisa Sávio.

Sávio esclarece que o Estado não pretende tutelar os municípios: “Como o município vai estruturar o licenciamento, se vai ter uma lei ambiental municipal ou se vai usar só o arcabouço legal estadual e federal para conduzir o processo de licenciamento é uma decisão que o município irá tomar, de acordo com sua autonomia”.

Para assumir o licenciamento, o município precisa manifestar o interesse em celebrar o convênio.


Romyna Lanza
Ascom/Sisema

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Licenciamento ambiental e a arte de ignorar a natureza


Engevix, Leme e CNEC-WorleyParsons: conheça as três empresas que se revezam na elaboração de estudos de impacto ambiental das maiores usinas hidrelétricas do país. Para acelerar o início das obras, vale tudo

por Alice Maciel, A Pública

“A luta nossa, menina, tem sido pesada demais”, descreve o pescador Ademar Leôncio, que em seguida passa a palavra para a lavadeira Jovecília de Jesus continuar a história. Sentados em uma mesa da casa do extrator de pedra e areia Reinaldo Oliveira, o Reinaldão, os três contam como foi a chegada da hidrelétrica de Itapebi, em Salto da Divisa, Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. O município, com 7 mil habitantes, está localizado às margens do rio que dá nome à região. Mas o que sobrou dele depois da construção da barragem, em 2003, foi um grande lago sujo, infestado de aguapé, planta que se espalha em águas poluídas. Até mesmo a cachoeira Tombo da Fumaça, um dia tombada como patrimônio histórico estadual e municipal, foi alagada e sumiu. Das promessas feitas pela empreiteira, poucas foram cumpridas. Menos da metade dos extratores e dos pescadores recebeu indenização. A cidade não viu o prometido desenvolvimento. Pelo contrário, a sensação é que Salto da Divisa parou no tempo.


A empresa que elaborou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da hidrelétrica – que omitiu o alagamento de cachoeiras, subestimou o número de trabalhadores atingidos pela barragem e não previu a interrupção da pesca – é conhecida do público. Foi a Engevix Engenharia S.A.

A Engevix tem como foco a construção civil, mas também atua na área de meio ambiente. Ela participou, por exemplo, da realização dos estudos das comunidades, terras e áreas indígenas doRelatório de Impacto Ambiental (Rima) e do EIA da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA). Foi a responsável pelo pré-cadastro socioeconômico, pesquisa censitária e amostral do patrimônio arqueológico, cultural e paleontológico na região afetada pela usina. Ao mesmo tempo, a Engevix Engenharia e a Engevix Construções – do mesmo grupo – participam junto com a Toyo Setal do consórcio de montagem eletromecânica da hidrelétrica a um custo de R$ 1,038 bilhão. Ou seja, além de fazer o EIA-Rima, a Engevix se beneficia da construção do empreendimento.

Hoje, a empresa é alvo da Operação Lava Jato, que investiga denúncias de corrupção na Petrobras. Ela é acusada de participar do cartel de contratos que teria desviado mais de R$ 6 bilhões da maior estatal brasileira. De acordo com denúncia do Ministério Público Federal (MPF), a Engevix teria pago propina ao ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa por intermédio de empresas vinculadas ao doleiro Alberto Youssef. A propina teria vindo do lucro obtido com licitações fraudulentas.
O mercado de dissimular impactos ambientais

Não é à toa que a Engevix esteve profundamente envolvida em diversas grandes licitações e na construção de Belo Monte, segunda maior hidrelétrica do país. Ela faz parte de um seleto clube de três empresas que há duas décadas se revezam na elaboração dos estudos de impacto desse tipo de obra.

Das 71 hidrelétricas que entraram em operação desde o primeiro ano de governo Fernando Henrique Cardoso, em janeiro de 1999, pelo menos 42 contaram com a participação das empresas Engevix Engenharia, Leme Engenharia e CNEC WorleyParsons Engenharia, sendo que elas foram responsáveis pelos estudos de impacto social e ambiental de 22 delas. Esses estudos são pré-requisitos para o licenciamento da construção das usinas desde 1986, seguindo a resolução do Conama.

As mesmas empresas fizeram os estudos ambientais das demais grandes hidrelétricas que estão em construção atualmente: Teles Pires (PA-MT), Baixo Iguaçu (PR) e São Manoel (MT), além de São Luiz do Tapajós (PA) que está em fase de planejamento.

Porém, contratadas e pagas pelo empreendedor, as três têm como atividade principal a construção civil. Ou seja, além de ter de agradar ao freguês com relatórios que sejam aprovados pelos órgãos ambientais, elas estão entre as interessadas na liberação da obra. Muitas vezes essas empresas fazem os estudos e, posteriormente, participam do processo de construção das hidrelétricas.

Na lista de clientes que as contratam pelo know-how na área de meio ambiente, estão as construtoras Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht, que também são parceiras da Engevix, da Leme e da CNEC na construção de grandes obras país afora. Como exemplo, a Engevix participou com a Odebrechtdo consórcio construtor da usina hidrelétrica de Baguari (rio Doce-MG); a CNEC é parceira da Camargo Corrêa na implantação da refinaria de Abreu e Lima; enquanto a Leme Engenharia participou do consórcio construtor da usina hidrelétrica Capim Branco I e II (rio Araguari-MG) com Andrade Gutierrez, Odebrecht e Engevix.

Além dos contratos com o setor privado, elas têm negócios com a Empresa de Pesquisa Energética(EPE), autarquia do Ministério de Minas e Energia responsável por “desenvolver estudos de impacto social, viabilidade técnico-econômica e socioambiental para os empreendimentos de energia elétrica e de fontes renováveis”, de acordo com a Lei n° 10.847, de 15 de março de 2004. A EPE contratou, por exemplo, a Leme Engenharia (em consórcio com a Concremat) para fazer os estudos das usinas de São Manoel (PA) no rio Teles Pires e da hidrelétrica Teles Pires (PA/MT), no rio de mesmo nome. Só de recursos da EPE, a Engevix recebeu de 2008 a 2015 R$ 6,2 milhões, nas rubricas Estudos de Inventário para Expansão de Energia Elétrica e Planejamento do Setor Energético, de acordo com levantamento no Portal da Transparência do Governo Federal. Já a CNEC Engenharia recebeu, no mesmo período, R$ 7,8 milhões, enquanto a Leme Engenharia, R$ 5 milhões.

Para acelerar o início das obras das usinas hidrelétricas vale tudo: esconder a existência de florestas, de espécies de animais em risco de extinção e até mesmo de impactos sobre tribos indígenas. Denúncias por falhas e omissões em EIA e Rima fazem parte do histórico da Engevix, da Leme e da CNEC. A consequência: biomas destruídos e direitos humanos desrespeitados, estragos irreversíveis. Apesar disso, nada impediu, até hoje, que elas continuem atuando na área.
Engevix: um histórico de omissões

No final da década de 1990, a Engevix Engenharia protagonizou um dos casos mais emblemáticos de fraude em EIA no país. Omitiu a existência de uma floresta de quase 6 mil hectares de araucárias alagada com a construção da hidrelétrica Barra Grande, no rio Pelotas, divisa de Santa Catarina com Rio Grande do Sul. Hoje, no Brasil, restam apenas 3% de remanescentes de floresta de araucária, ecossistema que pertence à Mata Atlântica. Junto com a floresta, também foi extinta a bromélia Dyckia distachya.

“A maior parte a ser encoberta é constituída de pequenas culturas, capoeiras marginais baixas e campos com arvoredos esparsos”, alegou a Engevix em relatório que serviu de base para o Ibama dar a licença de instalação da usina, em 2001. A licença de operação saiu em 2005, mesmo ano em que o órgão federal autuou a empresa em R$ 10 milhões e a proibiu de elaborar estudos ambientais para novos empreendimentos no Brasil por omitir a existência da floresta de araucárias. Uma decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, em 2012, suspendeu as penalidades, de acordo com informações da assessoria de imprensa do Ibama.

Em 2007, a empresa foi alvo da Operação Navalha, cujo objetivo era desmontar uma quadrilha que fraudava licitações de obras públicas. Na época, o lobista Sérgio Sá, contratado da empreiteira, foi preso na operação. Isso, no entanto, não impediu que a empresa mantivesse contratos com o poder público. Em novembro do ano passado, um dos sócios da Engevix, Gerson Almada, foi preso na Operação Lava Jato. Em entrevista à Folha de S.Pauloem março deste ano, o presidente da Engevix, Cristiano Kok, admitiu ter pago cerca de R$ 10 milhões para o doleiro Alberto Youssef.

Kok está na presidência da Engevix desde 1989. Engenheiro mecânico, ele começou a trabalhar ali em 1972. Em 1997 comprou-a com outros dois diretores, José Antunes Sobrinho e Gerson de Mello Almada. Fundada em 1965, a Engevix nasceu com a missão de fazer projetos para a Servix Engenharia, empreiteira especializada em obras de hidrelétricas. Isso porque a legislação de 1964 impedia as empresas de atuar tanto na elaboração do projeto quanto na construção.

Nos primeiros anos de vida, a Engevix fez projetos de engenharia das hidrelétricas do Paranapanema e Jurumirim (SP), além de subestações, linhas de transmissão e obras de irrigação. A Engevix Engenharia faz parte do Grupo Engevix, formado por mais cinco empresas que atuam em diferentes áreas de negócios: a Engevix Engenharia S.A. opera nas áreas de energia, indústria e infraestrutura; a Desenvix Energias Renováveis S.A. desenvolve empreendimentos e investe no setor de energia renovável; a Ecovix – Engevix Construções Oceânicas S.A. atua em construção naval e instalações off shore para a indústria de óleo e gás; a Infravix Empreendimentos S.A. dedica-se à infraestrutura em obras de transporte, saneamento básico e desenvolvimento imobiliário; a Engevix Sistemas de Defesa Ltda. trabalha com a demanda dos grandes projetos na área de defesa do Brasil; a Engevix Construções Ltda. atende às demandas de construção do Grupo Engevix, trabalha em paralelo com a Engevix Engenharia e possui contratos próprios, prestando serviços a outras empresas.
A CNEC – WorleyParson

A CNEC foi criada em 1959 por um grupo de professores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Em 1969, foi adquirida pelo Grupo Camargo Corrêa e passou a projetar boa parte das hidrelétricas construídas pela empreiteira. Ao lado da Engevix, ela foi uma das principais empresas projetistas de engenharia do país durante a ditadura militar. “O amordaçamento de mecanismos fiscalizadores, como a imprensa, o Parlamento e parte da sociedade civil, permitia aos empreiteiros maximizar seus lucros com práticas ilícitas e tocar obras com rapidez, agilidade e sem preocupação com os impactos do empreendimento”, afirma Pedro Henrique Pedreira Campos, na tese de doutoradoapresentada na Universidade Federal Fluminense: “A ditadura dos empreiteiros: as empresas nacionais de construção pesada, suas formas associativas e o Estado ditatorial brasileiro, 1964-1985”.

No mesmo estudo, realizado em 2012, ele ainda observa: “Nos últimos dez anos, fomos surpreendidos com a retomada de vários projetos encetados no período ditatorial, além de empreendimentos novos que reproduzem certas características daquele modelo de desenvolvimento. Assim, vimos a retomada da construção das grandes centrais hidrelétricas – como Belo Monte, projetada na ditadura, e as usinas do rio Madeira, de projeto final mais recente –, com seu grande impacto sócio-ambiental”.

Em 1980, a CNEC começou a prestar serviços na área ambiental. Ainda na década de 1980, fez o mapeamento de projetos de construção de usinas em diversos afluentes do rio Amazonas, incluindo os rios Xingu e Tapajós.

Em 2010, a CNEC foi adquirida pelo grupo australiano WorleyParsons, consultoria de energia que atua em 45 países nos cinco continentes. Mesmo passando para as mãos de outro grupo econômico, a CNEC permaneceu com projetos no Xingu e Tapajós. Ela foi contratada pela Norte Energia para a implantação e gerenciamento de programas socioambientais da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu. Também foi a CNEC WorleyParsons Engenharia a responsável por elaborar o EIA/Rima da usina São Luiz do Tapajós, finalizados ano passado.

O documento feito pela empresa no Tapajós, no entanto, não convenceu o Ibama. O órgão apontou diversas falhas no estudo, em avaliações divulgadas entre novembro de 2014 e o início de março. Para ter uma ideia, durante a análise realizada, o Ibama detectou até mesmo informações controversas. No decorrer do texto do EIA, a empresa, de acordo com o instituto, informou dados diferentes da área preventiva de desmatamento e limpeza do reservatório. O órgão solicitou à Eletrobrás a reformulação do estudo e apontou mais de 180 pontos que precisam ser aprofundados. Um detalhamento maior sobre o modo de vida, infraestrutura, educação, segurança e pesca nas áreas diretamente afetadas pelo projeto estão entre os citados. A CNEC Engenharia WorleyParsons preferiu não comentar o caso.

As falhas nos estudos ambientais da usina de São Luiz do Tapajós não são um caso isolado no histórico da CNEC. Ainda integrante do Grupo Camargo Corrêa, em 2006, a empresa foi denunciada em um esquema de fraude e manipulação nos estudos de impacto ambiental da usina hidrelétrica de Mauá, no rio Tibagi (PR) – a empresa, vencedora da concorrência em 2008, fez também a revisão dos estudos deinventário da bacia hidrográfica do rio Tibagi. Com investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, e financiada pelo BNDES, a obra da usina de Mauá custou R$ 1,4 bilhão.

Em depoimento ao MPFPR, técnicos responsáveis pelo levantamento do EIA/Rima constaram que a CNEC adulterou as informações do texto final do relatório entregue ao IAP, órgão responsável pelo licenciamento. Os especialistas trabalhavam para a Igplan – Inteligência Geográfica Ltda., contratada pela CNEC para fazer o levantamento.

Os trabalhos dos técnicos, após interrupção de dois anos, foram levados a cabo em julho de 2004. De acordo com a ação civil pública impetrada pelo MPF, a empresa tinha três meses para concluir os trabalhos. Isso porque se pretendia incluir o empreendimento no leilão previsto inicialmente para janeiro de 2005 (mas que acabou ocorrendo em dezembro).

Com o prazo reduzido, a CNEC passou a acompanhar os trabalhos dia e noite e colocou uma funcionária para revisar os textos e alterar o conteúdo dos trabalhos técnicos, “muitas vezes em desacordo com seus atores”, diz a ação. Em depoimento ao procurador-geral do estado do Paraná, João Akira Omoto, a antropóloga contratada pela Igplan para fazer o levantamento de impactos sobre populações indígenas, Maria Fernanda Campelo Maranhão, alegou que aguardava o texto final do EIA/Rima quando foi informada de que seu trabalho não seria incluído, a pedido da CNEC. Ela foi procurada por um funcionário do Departamento de Meio Ambiente da empresa para assinar um resumo do seu trabalho, de aproximadamente três páginas. “[…] a declarante se negou ao proposto pela empresa CNEC, tendo dito que um resumo não atenderia a complexidade da questão antropológica; que apenas entregaria o texto integral do seu trabalho”, registra o procurador.

O biólogo Euclides Selvino Grando Jr., responsável pela consolidação dos dados levantados pela equipe técnica da Igplan, declarou ao MPF que houve alterações nos dados do EIA/Rima na sua parte. No depoimento, ressaltou que um dos resultados do levantamento determinou que “com a construção da barragem deveriam ser localmente extintas espécies como o dourado e o pintado, que constam na lista paranaense de espécies ameaçadas de extinção”. De acordo com Grando Jr., o texto foi substituído por outro que desvaloriza essas espécies no contexto nacional, mencionando tratar-se de espécies de grande distribuição geográfica e omitindo a ameaça da extinção local.

Segundo ele, em dois momentos ocorreram alterações ou interferências nos resultados do trabalho: “No primeiro momento, as interferências dessa apontada funcionária da CNEC na fase de consolidação dos textos e, em um segundo momento, as alterações verificadas nos textos entregues”, afirmou. O biólogo contou que, em reunião com representantes da CNEC em São Paulo, ouviu que os trabalhos apresentados não atendiam ao padrão CNEC e que o texto ou a avaliação de impactos feita pela equipe não interessavam ao empreendedor. Dos 17 impactos relacionados pelos estudiosos dos peixes, apenas três foram mantidos no documento final ou EIA/Rima, de acordo com ele.

O mesmo ocorreu com os dados apresentados pelo biólogo especialista em biologia vegetal Alexandre Uhlmann, que também constatou que parte do seu relatório foi omitida no EIA. Ele descreveu 14 impactos positivos e negativos, mas alguns foram omitidos e outros, minimizados. Ao MPF, o biólogo ornitólogo Marcos Ricardo Borsnschein declarou que o trabalho apresentado pelo IAP é “completamente diferente” do desenvolvido por ele. Segundo Marcos, o trabalho do EIA entregue ao órgão ambiental “é paupérrimo dado que as consultas bibliográficas foram restritas a menos de 10 fontes”, e ele havia levantado mais de 90 fontes de informações sobre aves na bacia do rio Tibagi. O relatório diz que ele esteve em campo três dias, mas Marcos afirmou ter ficado na região atingida por 24 dias. Ainda segundo o biólogo, o EIA apontou apenas uma espécie ameaçada de extinção, enquanto ele elencou cinco.

Devido a isso, a CNEC Engenharia foi multada em R$ 40 milhões por danos coletivos. Além dela, o deputado estadual Rasca Rodrigues (PV) chegou a ser condenado, em primeira instância, à perda de mandato por ter ocupado, simultaneamente, dois cargos públicos durante a liberação do licenciamento da usina, em 2005: presidente do IAP (e membro conselho fiscal da Copel, empresa majoritária no consórcio construtor da hidrelétrica). Em 2013, o político conseguiu reverter a decisão. A reportagem entrou em contato com a Camargo Corrêa, que ficou responsável pelo passivo, mas não obteve retorno.

A CNEC elaborou também os estudos ambientais das hidrelétricas Baguari (MG), Estreito (TO/MA), Itá (RS/SC), Tijuco Alto (SP/PR) e Segredo (PR). Ainda na área de meio ambiente, a empresa fez o EIA/Rima do metrô de São Paulo, da rodovia Castelo Branco, no estado de São Paulo, e da ferrovia Norte-Sul, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

A CNEC já projetou mais de 60 usinas. Ela atua também nos setores de óleo e gás, mineração e transporte. Presta serviços de consultoria e gerenciamento de projetos que vão desde estudos de viabilidade até o início da operação do empreendimento.
A Leme Engenharia

“O governo constrói barragens com estudos apressados e incompletos, sem buscar entender as consequências da destruição da natureza para nossas vidas, autorizando o funcionamento das barragens sem dar uma resposta aos indígenas de como seguirão suas vidas sem peixe, sem água, sem caça. Tenta esconder seus impactos negativos sobre nossas vidas, nossos rios e nossos territórios. O governo não traz informações que entendemos, nas nossas aldeias e nas nossas línguas, não oferece alternativas para a nossa sobrevivência física e cultural. O governo federal não tem respeitado o nosso direito a consulta e consentimento livre, prévio e informado, garantido pela Constituição Federal e pela Convenção 169 da OIT, antes de tomar suas decisões políticas sobre a construção de barragens no rio Teles Pires. Jamais fomos consultados ou demos nosso consentimento para a destruição de nossos rios, nossas florestas e nossos lugares sagrados, como a cachoeira de Sete Quedas e o Morro do Macaco.” Essas palavras fazem parte de uma carta dos povos indígenas Apiaká, Kayabi e Munduruku, do baixo Teles Pires, e Rikbaktsa, do baixo Juruena, publicada em abril. No documento, eles exigem que se cumpra a consulta sobre os projetos hidrelétricos em curso.

Segundo o Ministério Público do Pará, os impactos sobre esses povos nem sequer foram citados no EIA/Rima, de autoria da Leme Engenharia em consórcio com a Concremat, que serviu para o Ibama emitir a licença prévia e de instalação da usina hidrelétrica de Teles Pires, no Mato Grosso. “É fato que a UHE Teles Pires vai impactar os povos indígenas Kayabi, Apiaká e Mundurukui. Ocorre que o Ibama aceitou o EIA/Rima e emitiu Licença Prévia (LP) e Licença de Instalação (LI) da usina, respectivamente, sem o Estudo de Componente Indígena (ECI), parte integrante do EIA/Rima. Vale dizer, os impactos sobre os povos indígenas não foram mensurados. O Estudo de Componente Indígena (ECI) está previsto no Termo de Referência, emitido pelo próprio Ibama. Há evidências concretas de danos iminentes e irreversíveis para a qualidade de vida e patrimônio cultural dos povos indígenas”, aponta a denúncia feita pelo MPF.

A hidrelétrica contou com financiamento do BNDES de R$ 2,8 bilhões. A construção da usina começou em agosto de 2011 e 98% das obras já foram concluídas. De acordo com os índios, na carta-manifesto, “as barragens de Teles Pires já mataram toneladas de peixes e milhares de animais”. Eles contam ainda que não conseguem mais pescar com arco e flecha, por causa da água suja, e que os problemas de saúde estão aumentando devido à contaminação da água.

No rio Madeira, em Rondônia, as usinas de Santo Antônio (R$ 6,13 bilhões financiados pelo BNDES) e Jirau (R$ 9,5 bilhões financiados pelo BNDES), que entraram em operação em 2012 e 2013, respectivamente, também acumulam processos contestando os estudos de impacto ambientais e sociais assinados pela Leme.

Em fevereiro de 2014, a Justiça Federal determinou que os consórcios Santo Antônio Energia e Energia Sustentável do Brasil, responsáveis pela construção das duas usinas, refizessem o EIA/Rima depois de uma enchente histórica no rio Madeira. A decisão atendeu a uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal e Estadual de Rondônia, pelas Defensorias Públicas da União e do Estado e da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Rondônia. “Neste momento de crise, é fato notório que a área de influência direta dos lagos dos AHE ultrapassou e muito as previsões dos estudos realizados pelos consórcios. Dizem os empreendimentos que se trata de enchente que, segundo seus cálculos, remete a um tempo de recorrência de 100 anos, daí os impactos vivenciados na infraestrutura regional, na floresta que margeia os reservatórios, nas comunidades ribeirinhas, nos reassentamentos, etc.”, diz o MPF na ação . A empresa Energia Sustentável afirmou que não comenta as ações ajuizadas. A Santo Antônio Energia respondeu que atendeu a determinação do Ibama e do Judiciário e incorporou novos dados aos estudos do EIA/Rima. “Prontamente, e respeitando os prazos determinados judicialmente, a Santo Antônio Energia encaminhou os dados complementares ao juiz da 5ª Vara Federal de Porto Velho, que englobam novos levantamentos topobatimétricos, detalhamento da área afetada na BR 364 e da Área de Preservação Permanente (APP) do distrito de Jacy-Paraná. Juntamente com estas informações, a empresa encaminhou algumas proposições de ações que buscam evitar ou amenizar impactos nestas áreas, caso uma nova cheia semelhante à de 2014 venha a ocorrer”, acrescentou a empresa. Já a Leme Engenharia não retornou aos pedidos de informação, assim como o Ibama.

A Leme Engenharia esteve à frente também do EIA/Rima da maior hidrelétrica do país, a de Belo Monte. Os estudos ambientais da usina contam ainda com a participação da Themag Engenharia, da Engevix Engenharia e da Intertechne, responsáveis pelos estudos de comunidades em terras e áreas indígenas.

O MPF do Pará já ajuizou 23 ações contra Belo Monte. De acordo com informações da Procuradoria, há problemas com o estudo de viabilidade da hidrelétrica, com o procedimento de licenciamento ambiental e com o EIA da obra. Segundo o MPF do Pará, o próprio Ibama identificou que o EIA/Rima entregue pela Norte Energia deixou de apresentar documentos importantes, como estudos de qualidade da água e informações sobre populações indígenas, mas aceitou os relatórios técnicos. “Os estudos do licenciamento restaram prejudicados e, consequentemente, não se tem a real dimensão dos impactos sociais, étnicos, ambientais e econômicos que serão causados na região pelo empreendimento”, alertou o órgão ao Judiciário. A Leme fez também estudos ambientais das hidrelétricas de Capim Branco I e II, Dardanelos, Salto Caxias e São Manoel.

Além de elaborar estudos de impacto ambiental, a empresa atua nos setores de hidroenergia, geração térmica, energias renováveis (biomassa, eólica e solar), sistemas eletrônicos (subestações, linhas de transmissão e telecomunicações associadas aos sistemas de transmissão), gás, edificações complexas, transporte (ferrovias, hidrovias), portos e drenagem urbana. Ela desenvolve e gerencia as obras, atuando desde as fases preliminares de estudos e projetos até a implantação final do empreendimento.

A Leme Engenharia foi fundada no mesmo ano da Engevix, durante o regime militar, em 1965. Ela nasceu com a função de desenvolver os projetos básico e executivo das usinas hidrelétricas de Mascarenhas, no Espírito Santo, e de Volta Grande, em Minas Gerais, para a Cemig, empresa de energia de Minas Gerais. Em 2000, a Leme foi adquirida pela Tractebel Engineering, que tem sede em Bruxelas, na Bélgica, e atua na América Latina, Europa, África e Ásia.

A Tractebel integra o grupo francês GDF Suez – que no início de maio passou a se chamar Engie –, um dos maiores grupos de energia e infraestrutura do mundo.
Para MPF, interesse econômico prevalece

O MPF comprovou, em levantamento feito em 2004, que nos estudos de impacto ambiental prevalecem os aspectos econômicos sobre os ambientais. O diagnóstico, intitulado“Deficiências em Estudos de Impacto Ambiental”, apontou falhas em 12 EIAs de usinas hidrelétricas que resultaram em impactos ambientais não previstos, insuficiência na mitigação de impactos e conflitos entre o empreendedor e a população.

Segundo o MPF, o levantamento mostra que os estudos tendem a privilegiar os aspectos positivos dos empreendimentos. “Esta é uma falha grave em um documento que deve tratar a matéria com o máximo de imparcialidade, visto que o seu objetivo não poderia ser a viabilização, a qualquer preço, de um empreendimento, mas, sobretudo, informar com clareza à sociedade os benefícios e os ônus previsíveis.”

De acordo com o diagnóstico, os benefícios do empreendimento são muitas vezes afirmados sem clara fundamentação, quando não superestimados. “Sem uma coerência interna, o Estudo de Impacto Ambiental deixa de situar-se na esfera da prevenção de danos ambientais para se tornar apenas um documento formal no processo de licenciamento ambiental. Ao não identificarem e analisarem suficientemente os potenciais impactos dos empreendimentos, os Estudos deixam de revelar a equação completa de benefícios e ônus”, diz o documento.

Ao longo de todo o período de análise, não foi encontrado nenhum estudo em que os autores concluíram pela inviabilidade ambiental do empreendimento. Foi verificado que, desde a fase de elaboração do EIA até a fase de execução de medidas mitigadoras e de programas de monitoramento, prevalece a preocupação com os investimentos, “o que pode levar à adoção de soluções que representem menor aplicação de recursos”.

O relatório do MP mostrou também que os prazos para a realização de pesquisas de campo são insuficientes. “Em alguns casos, os próprios autores dos diagnósticos reconhecem nos textos as limitações de tempo para pesquisa primária.”

O órgão apontou ainda como deficiência dos estudos ambientais a apresentação de informações inexatas, imprecisas ou contraditórias. “Há casos em que os Estudos citam espécies reconhecidamente inexistentes na região”, conclui. No EIA da UHE Estreito, no rio Tocantins (TO/MA), realizado pela CNEC Engenharia, foi mencionada a possibilidade de ocorrência da ararinha-azul em savanas nos estados do Maranhão e Tocantins, apesar de a espécie ser considerada extinta pelo Ibama.

Para o ambientalista e conselheiro da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi) Wigold Schaffer, quando o processo de elaboração do Eia/Rima é iniciado, já “é sinal de que a obra será aprovada”. “O Eia/Rima tornou-se um instrumento de viabilização da obra. É tudo um faz de conta”, diz Schaffer, que acompanhou o alagamento da floresta de araucária pela usina de Barra Grande com “uma sensação de tristeza e de muita indignação”.

Ele reitera que o licenciamento deveria ser um instrumento de análise séria dos impactos ambientais, apontando possibilidades de diminuir ou precaver os impactos. “Quando não há como fazer a mitigação, o EIA/Rima deveria negar a obra, o que não acontece.”

Segundo ele, um dos pontos mais graves do licenciamento ambiental está na lei que permite que o empreendedor contrate o EIA/Rima. “Os estudos deveriam ser contratados de forma independente, pelo poder público.” De acordo com o ambientalista, os órgãos ambientais fecham os olhos para os impactos. “O Ibama tinha a obrigação de fazer a vistoria adequada, verificando se as informações apontadas são verdadeiras. Como não viram, por exemplo, que a empresa estava escondendo 6 mil hectares de floresta?”
Doações eleitorais


O confronto de interesses, que coloca em xeque o atual sistema de licenciamento ambiental no Brasil, não para por aí. Nas campanhas eleitorais, as mesmas empresas que deveriam executar estudos de impacto ambiental imparciais fizeram doações para parlamentares ruralistas. Entre as eleições de 2004 e 2014, juntas, as três investiram quase 26 milhões em diversos comitês partidários e candidaturas pelo Brasil afora. Os principais partidos beneficiados foram: PT, PSDB e PMDB. Nas duas últimas eleições nacionais (2014 e 2010), pelo menos quatro deputados da bancada ruralista foram agraciados: Espiridião Amin (PP-SC), Nelson Marchezan Júnior (PSDB-RS), Arnaldo Jardim (PPS-SP), que se licenciou do mandato para assumir o cargo de secretário de Estado de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, e Luiz Fernando Farias (PP-MG).

Em 2014, a candidatura de Dilma Rousseff recebeu R$ 1,5 milhão da Engevix. A empresa investigada pela Lava-Jato investiu mais de R$ 7,6 milhões em doações para 13 partidos no ano passado. Já a Leme investiu 380 mil em candidatos ao governo e ao Congresso nas últimas eleições.