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terça-feira, 3 de abril de 2012

A Bíblia do Caos (aplicada ao meio ambiente)



02 de Abril de 2012

“Millôr Definitivo - A Bíblia do Caos” é um livro publicado pela editora L&PM Pocket em 1994, que pode ser encontrado em qualquer banca de revista mais literata, a um preço justo. Na Bíblia do Caos, são apresentados mais de cinco mil “verbetes” livremente explicados pelo autor. E é claro que ironia, sarcasmo e bom humor caem às pencas de cada página. 

A excelência do humor de Millôr Fernandes, não apenas na Bíblia do Caos, mas em diversos contos, me fez rir na maior parte das vezes, mas também me fez refletir e a entender que a alegria, a ironia, a excentricidade, o sarcasmo e, por que não, o non sense, também são importantes armas para fortalecer a crítica e o bom senso. 

A “vaguidão específica”, por exemplo, muito me ajudou em minha relação conjugal e no entendimento dos discursos políticos. E as “Compozissõis imfãtis” a não perder a cabeça com a ortografia e concordância das provas que corrijo. Já o título Bíblia do Caos não poderia ter melhor para resumir o momento ambiental vivido no Brasil.

Millôr Fernandes não era apenas escritor, humorista, jornalista, ensaísta, poeta e dramaturgo. Era simplesmente Millôr Fernandes. Inspirado por sua prosa fácil e divertida, tenho o desplante (palavra rebuscada para dizer “cara de pau”) de apresentar algumas das minhas explicações para diversos conceitos relacionados à conservação. Não peço que gostem, mas vamos lá... 

Amazônia: Ame ou deixe. Mesmo sendo uma zona, há quem Ame a Zona... Mesmo sendo a Zona Franca ou uma Franca Zona.

Caatinga: bioma nacional onde alguma coisa não cheira bem...

Cerrado: bioma considerado um dos hotspots mundiais de conservação, possui seu nome derivado da palavra portuguesa “cerrado”, que significa fechado ou denso. Com o novo acordo ortográfico da Língua Portuguesa, passará a ser escrita como “Serrado”, um termo muito mais atual e adequado à realidade do bioma.

Código Florestal: Instrumento legal formalizado para dizer que o crime compensa. Não é o primeiro da história brasileira, mas é o mais recente.

Desenvolvimento Sustentável (1): Segundo Câmara Cascudo, o desenvolvimento sustentável é mais uma das fantásticas criações do imaginário nacional. Possui claramente influência dos mitos de colonizadores anglo-saxões, mas foi se ajustando ao longo do tempo às condições sociais e ambientais do Brasil. Termos correlatos: “saci-pererê” e “mula-sem-cabeça”.

Desenvolvimento Sustentável (2): Método de exploração dos recursos naturais focado na manutenção da baixa qualidade de vida da população enquanto promove o empobrecimento da biodiversidade. Também conhecido como subdesenvolvimento sustentável.

Desenvolvimento sustentado (3): Modalidade de paternalismo sócio-ambiental baseada na distribuição de bolsas (verdes, vejam bem) às comunidades que, de alguma forma inexplicável, não conseguem qualidade de vida extraindo coquinhos, sementes e seiva da floresta.

INStinção: Termo cunhado por alguns estudantes universitários em provas; creio ser o instinto que algumas espécies possuem em desaparecer sem deixar rastros...

Mata Atlântica: Campo de treinamento das primeiras empreitadas madeireiras do Brasil. Também é um Hotspot. Talvez resultado das cinzas ainda quentes do que era floresta há algumas décadas...

Meio Ambiente: Típico caso do Cerrado, onde resta apenas metade da cobertura vegetal original.

PAC: abreviação carinhosa usada pelos empreiteiros para o programa imPACto: Informamos Municiados Politicamente que Agora a Coisa é Transformar em Obra. Também chamado de PACzinho, o apreço dos empreiteiros ao programa têm alavancado a carreira de diversos políticos de carreira ilibada. O maior benefício do programa é levar o desenvolvimento sustentável onde só havia “mato”, “bichos” e “índios”.

Pampa: Antigo modelo de pickup leve da montadora Ford com motor pouco confiável (tive uma azul-calcinha, carinhosamente chamada de “Catifunda”). Também é um bioma no Sul do Brasil onde existe gado e monoculturas de árvores exóticas por todos os lados...

População tradicional: Termo usado para designar agricultores gaúchos no arco do desmatamento. Extremamente tradicionais, continuam a chamar os fazendeiros de estancieiros, as mulheres de prendas, a usar bombachas, comer churrasco e tomar chimarrão todos os dias. É a população mais tradicional que conheço.

Reserva Extrativista: Modelo arcaico de reforma agrária, responsável por manter as populações locais presas a um modelo de produção primitivo, associada à ausência de título das propriedades por parte dos moradores. Para ficar mais engraçado, tem gente que chama isso de Unidade de Conservação e alguns outros ainda dizem que é socialmente justo. Ver “Desenvolvimento sustentado”.

Rio mais 20: Com o arremedo de código florestal em tramitação no Congresso, bem às portas de um dos mais relevantes encontros internacionais sobre meio ambiente a ser realizado em solo tupiniquim, eu rio... Com mais 20 e com quem mais quiser rir também...

Vermifugação: Método cruel e desumano voltado para promover a morte de pobres vermes parasitas com direito à vida como todos nós.

Sócio-Ambientalismo: Religião dogmática, estabelece que o Sócio vem sempre antes do Ambiental.

Zona Costeira: Ver comentários sobre Amazônia. Termos correlatos: “Petrobrás”, “Chevron”; “derramamento” e “pré-sal”.

Reuber Brandão
Biólogo e doutor em ecologia, leciona manejo de fauna e manejo de áreas protegidas na Universidade de Brasília. Estuda répteis e anfíbios com paixão. Analista Ambiental do IBAMA entre 2002 e 2006. 
Artigo publicado no portal (o)eco

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