Daniel Santini
Um artigo opinativo com o título “Mais bicicletas, mais acidentes”, publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo nesta semana, provocou polêmica sobre o direito e a prudência de se trafegar com bicicletas em cidades. Na esteira de informações descontextualizadas e conclusões precipitadas tomadas sem nenhum critério científico ou cuidado, veio a enxurrada de comentários em redes sociais classificando como suicidas ou malucos os que optam por tal alternativa e reforçando a ideia de que ruas e avenidas devem ser exclusivas para veículos motorizados. Em tempo de eleições municipais, vale discutir: as cidades devem ser feitas para automóveis ou pessoas? Será que o temerário, em termos de saúde pública e segurança, é buscar alternativas ou manter o sistema atual de mobilidade baseado em carros acelerando cada vez mais rápido em zonas residenciais?
O texto do Diário Oficial, que merece atenção especial por estar em uma publicação oficial bancada com dinheiro dos contribuintes, tem como base principal informação divulgada no final de junho pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Segundo levantamento feito pela pasta, 9 ciclistas são internados por dia vítimas de acidente de trânsito e ao menos um deles morre no estado todo ano. Quando a informação foi divulgada, o Outras Vias entrou em contato com a assessoria de imprensa responsável para obter dados detalhados sobre onde aconteceram tais acidentes, quem são as vítimas, qual a relação entre o número de acidentes, a densidade demográfica das regiões e a evolução do uso de bicicleta como transporte, bem como informações relativas a internações e evolução de acidentes envolvendo motoristas, motociclistas e pedestres.
Somente com dados completos e contextualizados é possível chegar a conclusões tal fortes como as apresentadas no texto. Conforme análises publicadas nos blogs Vá de Bike eNa Bike, estudos anteriores apontam justamente o contrário do que a manchete do texto deixa a entender. Quanto mais bicicletas nas ruas, menor é o número de acidentes. Quem pedala nas cidade e vive o trânsito, sabe disso.
Velocidade e cidades para pessoas
O pedido de mais informações sobre os acidentes de bicicletas foi enviado para a assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde em 29 de junho e, até hoje, 13 dias depois, nenhuma informação mais completa foi disponibilizada. Em vez de permitir acesso ao levantamento no qual foi baseado o texto enviado para as redações, incluindo a do Diário Oficial, ou pelo menos detalhes que permitam uma abordagem mais completa sobre o tema, a assessoria de imprensa da pasta enviou ao Outras Vias um boletim com dados antigos do Instituto de Ortopedia do Hospital das Clínicas sobre o aumento do número de acidentes grave de motos. Não é suficiente, mas ajuda a ilustrar a necessidade de contextualizar informações para discutir mudanças, restrições e políticas públicas.
A questão das motos é um problema que, ao contrário dos acidentes envolvendo bicicletas, tem recebido atenção e sido bem contextualizada por profissionais como os médicos Júlia Greve e Marcelo Rosa de Rezende. Os dois estão por trás do Programa de Redução de Acidentes, o HC em Movimento, e tem procurado chamar atenção para a necessidade de mudanças urgentes no que se refere ao transporte individual motorizado, em especial motos. "Mudar significa tirar o pé do acelerador, diminuir a velocidade, usar o veículo com responsabilidade e sabedoria, valorizar o transporte coletivo e preservar o espaço urbano para as pessoas. As cidades são feitas para pessoas e não para veículos", afirma a médica Júlia Greve, segundo o informe enviado.
Pensar em cidades para pessoas é justamente o ponto chave para se reduzir não só o número de acidentes, mas também o da poluição alarmante do ar – outra zona cinzenta, que coloca em risco a saúde de todos da cidade. Apesar de subnoticiados e tratados sem a atenção necessária pelos governantes, os índices de acidentes de trânsito e os de doenças respiratórias são alarmantes nos centros urbanos do país. Como apontado pelo Outras Vias na semana passada, especialistas do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) alertam que o monitoramento da qualidade do ar nas metrópoles brasileira é precário e insuficiente e que há necessidade urgente de revisão e atualização dos índices limites hoje vigentes. Um estudo neste sentido, este sim científico, recheado de dados, contextualização e informações completas, esta prestes a ser divulgado.
É com dados que se combate preconceito e sensacionalismo. Queiram os incomodados ou não, sa pessoas estão se envolvendo, se organizando e buscando dados, a cobrança por mais transparência em relação a informações que devem ser públicas aumenta, e isso vai se refletir nas eleições. Não por acaso, em todo o Brasil grupos de ciclistas pressionam para que os candidatos às Prefeituras e às Câmaras Municipais de todo o país assumam compromissos em relação a mudanças necessárias. Neste final de semana, em São Paulo, dois candidatos à prefeitura, Gabriel Chalita (PMDB) e Fernando Haddad (PT) se dispuseram a discutir e assumir compromissos por mudanças. E é só o começo.
As imagens que ilustram este artigo foram todas tiradas da coleção de clippart do Apocalipse Motorizado
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