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segunda-feira, 15 de junho de 2015

O fantasma da extinção em massa, artigo de Raimundo Nonato Brabo Alves


[EcoDebate] A regulagem do clima e de diversos ciclos na Terra é feita pela água, elemento mais abundante cobrindo 3/4 da superfície terrestre, possuindo características sui generis em suas diferentes fases: sólida, líquida e gasosa. Nas regiões glaciais o aquecimento global como consequência da ação antrópica acelera o degelo, passando a água da fase sólida para a líquida.

Tenho lido em diversos artigos, pesquisadores do Polo Norte desesperados anunciando o derretimento do PERMAFROST. Baseados em seus diagramas e gráficos todos apresentam aumento da temperatura global, derretimento crescente das geleiras polares e aumento exponencial de liberação de metano, carbono e nitrogênio para a atmosfera. Mas o que tenho a ver com um evento climático que ocorre a milhares de quilômetros da minha Amazônia, duas regiões remotas e desconhecidas para a maioria dos habitantes do planeta. Infelizmente tudo a ver.

Por que o PERMAFROST está a derreter como um sorvete na mão de uma ingênua criança? O PERMAFROST ou PERGELISSOLO é um tipo de solo característico das regiões glaciais, encontrado na região do Ártico e nas regiões montanhosas. A origem da palavra permafrost vem do inglês permanent (permanente) e frost (congelado) termo usado pela primeira vez em 1943 por S. W. Miller. Na verdade um misto de terra, gelo e rocha permanentemente congelado, que no inverno dependendo da região pode ser coberto por uma camada de gelo e neve de até duas a três centenas de metros e no verão derrete e se reduz de 0,5 a 2 metros de gelo, numa superfície pantanosa. Este solo e característico da Sibéria na Rússia e norte do Cazaquistão, no Canadá e Alasca nos Estados Unidos. Sobre ele se erguem cidades com suas edificações, estradas e toda a logística necessária à vida no Ártico.

O fato é que esse solo é riquíssimo em matéria orgânica e retém uma reserva incomensurável de gás metano, o gás de efeito estufa (GEE) 30 vezes mais potente que o dióxido de carbono. O problema é que este solo vem derretendo atualmente além da normalidade, afetando a vida local com destruição de cidades e rodovias. Esse é o efeito local imediato. A ameaça global é que segundo os especialistas, poderá haver uma liberação de 50 giga toneladas de gás metano para a atmosfera, de maneira gradual ou bruscamente, segundo os mesmos, na forma de um gigantesco “arroto”. Mais ainda bilhões de toneladas de nitrogênio e carbono poderão simultaneamente ser liberados desse solo para a atmosfera.

Uma vasta extensão do permafrost da Sibéria até o Alasca começou a descongelar, desde que se formou ha 11.000 anos, sob o efeito da elevação da temperatura média local de 3 C°, nos últimos 40 anos, mais de quatro vezes a média local. Nestes solos se encontram turfeiras na extensão de um milhão de quilômetros quadrados – o equivalente a um quarto da extensão da superfície terrestre do planeta – a uma profundidade média de 25 metros. As da Sibéria são as maiores do planeta.

Quando os efeitos do aquecimento global passaram a dominar as manchetes jornalísticas, as pessoas se perguntavam que diferença faria um grau a mais ou a menos em nossas vidas, raciocinando apenas no seu bem-estar. Mais tarde as ameaças passaram a ser da elevação do nível dos mares em função do degelo das calotas polares, constituindo ameaça as populações litorâneas, caso específico do nosso país em que a maioria das grandes cidades estão próximas ao mar.

Ninguém poderia imaginar que uma ameaça eminente estaria a caminho via atmosfera, com origem em um dos ecossistemas mais frágeis como o Ártico. Uma ameaça gigantesca com mecanismo de retroalimentação. Quanto mais aquecimento mais degelo. Quanto mais degelo mais exposição de solo rico em material orgânico. Quanto mais exposição de solo mais liberação de GEE. E quanto mais liberação de GEE mais aquecimento. Se a retroalimentação for paulatinamente mais lentas os efeitos nefastos sobre os ecossistemas serão perceptíveis. Mas se a liberação de 50 giga toneladas de metano ocorrer na atmosfera na forma de um “arroto” como estão denominando os especialistas, as consequências serão imprevisíveis. Alguns relatam que poderá haver uma extinção em massa.

Na Amazônia e demais regiões tropicais e subtropicais o aquecimento global como consequência da ação antrópica acelera a vaporização, passando a água da fase líquida para a gasosa. A principal causa é o desmatamento com a eliminação das florestas e matas ciliares, desnudando e secando rios e reservatórios de abastecimento de água, com interrupção de fornecimento de água potável em grandes cidades de São Paulo, Minas Gerais e Rio de janeiro. Soma-se a seca prolongada do nordeste, região semiárida brasileira.

Quando o congelador da geladeira descongela ou religamos a energia ou baixamos a temperatura regulando o termostato. Com nossa “geladeira global” não é tão simples assim. Muito pelo contrário teríamos que reduzir o consumo global de energia oriunda da queima de combustíveis fósseis. E ainda mitigar os efeitos do aquecimento global com ações neutralizadoras, como um reflorestamento em escala planetária.

O que estamos a fazer – se é que ainda há tempo – será que contribuirá para reduzir o aquecimento global? Ou estamos na contracorrente da busca da sustentabilidade: a avidez pela exploração de combustíveis fóssil é prioridade com pais autorizando sua exploração no próprio Ártico, agora sendo intensificado com a extração de gás de xisto e de areias betuminosas. O desmatamento continua na Amazônia brasileira, andina e no sudeste asiático, para exploração de madeira ilegal e expansão da palma de óleo. A área de produção de grão supera em muito a de reflorestamento, inclusive em biomas frágeis como o do cerrado brasileiro. Os investimentos em veículos particulares suplantam o de transportes coletivos. A sociedade de consumo é estimulada, agora em países com superpopulação como China e Índia. As guerras se intensificam com as suas indústrias de destruição e reconstrução. E o crescimento populacional vem sendo exponencial, pois segundo a ONU já somos mais de 7 bilhões de pessoas, com projeção para 9 bilhões em 2050.

Espero que a Conferência de Paris venha a ser o ponto de inflexão. Que tanto os líderes mundiais como a sociedade possam de fato pactuar uma agenda positiva para o meio ambiente. Mais atenção deve ser dispensada aos dados colhidos pelos cientistas do Ártico, para o futuro da humanidade e da vida no planeta.

Raimundo Nonato Brabo Alves é Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental

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Publicado no Portal EcoDebate, 15/06/2015

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