Os desafios da gestão ambiental no Brasil, artigo de Pedro Ferraz Cruz
[Correio Braziliense] Publicada em 9 de dezembro, a Lei Complementar nº 140/2011 regulamentou o artigo 23 da Constituição Federal de 1988, que trata da competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios nas questões relativas à gestão ambiental. A nova lei, ao instituir a delegação da execução de ações administrativas como um dos instrumentos de cooperação entre os entes federados, é mais um passo em direção ao federalismo no Brasil, processo de descentralização do poder em curso nos últimos 30 anos.
A gestão compartilhada entre os três níveis do Executivo é um esforço do poder público na tentativa de atender a crescente demanda da população por serviços públicos, sejam na área da saúde, da educação, do saneamento ou na ambiental. A edição da Política Nacional de Meio Ambiente em 1981, Lei nº 6.938, já demonstrava o modelo republicano federativo do Brasil ao instituir o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), do qual fazem parte os órgãos federais, estaduais e municipais de meio ambiente, e o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), órgão normativo e deliberativo, além dos conselhos estaduais e municipais, também integrantes do Sisnama.
Outro marco legal, pós-Constituição Federal, foi a publicação da Lei dos Crimes Ambientais (nº 9.605), em 1998, e da Política Nacional de Recursos Hídricos (nº 9.433), em 1997. Ambas ampliaram o poder local ao possibilitar que estados e municípios se tornassem autoridades competentes para fiscalização e ao instituir a criação de comitês de bacias hidrográficas, que são colegiados público-privados responsáveis pela gestão dos recursos hídricos em cada bacia.
O federalismo pleno ainda é uma realidade distante no Brasil, principalmente pela falta de capacidade técnica nos pequenos municípios, falta de transparência, para não falar da maior sujeição do poder público aos desmandos do poder econômico local. A falta de recursos financeiros para institucionalizar as políticas públicas no nível municipal é outra forte barreira à eficácia da gestão descentralizada do combate aos crimes ambientais e da preservação e melhoria da qualidade ambiental.
Segundo o IBGE, em 2008, os 5.564 municípios brasileiros possuíam quase 25 mil servidores na área de meio ambiente, resultando em uma baixíssima média de 4,5 por município. A situação piora quando se trata dos 2.558 municípios com menos de 10 mil habitantes: 31% deles não possuem nenhuma estrutura administrativa na área ambiental. E os 69% restantes (1.767) somam apenas 9% do efetivo total do País, 2.230 servidores.
A descentralização da gestão ambiental é mais problemática que a descentralização da gestão de outros serviços públicos, como o transporte urbano, a segurança e a educação, pois não tem circunscrição territorial, seja urbana ou rural. O meio ambiente é, em sua essência, transfronteiriço, não está contido em um limite administrativo.
Dois municípios banhados pelo mesmo rio poderão executar políticas de tratamento de esgoto absolutamente distintas, uma com alta tecnologia, alto custo e alta eficiência, outra com baixo custo e baixa eficiência, resultando, necessariamente, em baixa efetividade da ação dos governos locais ao constatar-se a permanência da poluição hídrica.
Esse exemplo pode ser transposto para a questão do desmatamento, da poluição atmosférica, das emissões de carbono, do assoreamento dos rios e do tráfico de fauna silvestre. Será extremamente difícil estabelecer limites de competências entre os entes federados pelo simples motivo de um bioma ou um ecossistema perpassar qualquer tipo de limite administrativo.
As assimetrias regionais mostram como a governança ambiental ainda é muito díspare entre municípios do Norte e do Sul do país. Mesmo que regiões mais adiantadas tenham experimentado algumas formas de articulação intermunicipal, ainda não obtiveram êxito as duas principais tentativas: os comitês de bacias hidrográficas e os consórcios intermunicipais para disposição de resíduos sólidos e recuperação da qualidade da água.
Por enquanto, o enfraquecimento dos órgãos federais facilitará o caminho para os crimes ambientais que ultrapassam os estados, como a rede de extração da madeira da Amazônia que é consumida no Sul, a produção de gado no Norte que abastece os mercados do Sudeste, a extração de minérios que são consumidos ao redor do mundo, o carvão do Nordeste que é queimado nos autofornos de Minas Gerais, o petróleo da bacia de Campos que movimenta carros e indústrias nos principais centros urbanos do país.
Os problemas do novo modelo de gestão ambiental brasileiro não serão equacionados somente com a dedicação dos poderes Legislativo e Executivo. As soluções possíveis passam, obrigatoriamente, pela participação da sociedade, por meio do ativismo ambiental, do consumo consciente, do acesso democrático aos recursos naturais. Há um longo caminho pelo qual deverão passar as sociedades e os governos, baseado em educação e comunicação.
Pedro Ferraz Cruz é geógrafo formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense e socializado pelo Jornal da Ciência / SBPC, JC e-mail 4405.
EcoDebate, 15/12/2011
Muito interessante. Mas ainda não estou familiarizado com o google blogger.
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