PAULO DE TARSO TAMBURINI E JOSÉ ALBUCACYS MANSO DE CASTRO JUNIOR
"Eu também quero a volta à natureza. Mas essa volta não significa ir para trás, e sim para a frente"
Friedrich Nietzsche
Embora visíveis todas as maneiras como se faz propaganda eleitoral, passa despercebida pela maioria da população a rotina diária, em todo o País, de carros, caminhões e outros veículos que descarregam toneladas de material apreendido ou recolhido por não obedecer aos padrões e às formas estabelecidas pela legislação pertinente. Salas, pátios e galpões da Justiça Eleitoral não são mais suficientes para acomodar todo esse material, cuja destruição, ao final do processo eleitoral, se apresenta como previsível.
O processo social brasileiro de escolha democrática de seus representantes tem avanços incontestáveis, sobretudo no quesito "limpeza", seja pela aprovação do projeto de lei de iniciativa popular conhecido como Ficha Limpa, seja pelas campanhas institucionais da Justiça Eleitoral para a escolha de candidatos pelo "voto limpo". Entretanto, pouco ou nada se tem feito quanto ao impacto ambiental dessa propaganda.
Se, por um lado, as normas eleitorais garantem a propaganda como instrumento de mensagem política proposta pelos que se apresentam como candidatos a alguma função pública representativa, por outro, a própria Constituição federal (artigo 225) garante aos cidadãos meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, sendo dever do poder público e da coletividade a sua preservação.
No que diz respeito à propaganda eleitoral, e de acordo com a publicação da segunda parcial de prestação de contas de campanha ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - www.tse.jus.br -, já se gastou mais de R$ 1 bilhão e a previsão é que se chegue a mais do dobro desse valor no final da campanha política. Pelos valores parciais atuais, computando exclusivamente os gastos com papel e publicidade em jornais e revistas, chega-se a R$ 301.825.922. Isso significa mais de 10 bilhões de folhas A4, ou mais de 20 milhões de cadernos ou livros escolares com 50 folhas cada, ou 417 mil árvores cortadas. Com o valor declarado seria ainda possível produzir cerca de 23 bilhões de "santinhos" (medindo 10 cm x 7 cm, em papel de 75g/m2), os quais, enfileirados, poderiam dar 58 voltas ao planeta, com peso estimado em 12 mil toneladas.
Lembrando que para fabricar apenas um quilo de papel são gastos 540 litros de água, além de cloro e enxofre, só na produção de papel para os "santinhos" gastaríamos cerca de 1,2 bilhão de litros de água, suficientes para encher quase 25 mil piscinas de 50 mil litros. E tudo isso simplesmente vai para o lixo após o processo eleitoral.
Outro exemplo se refere ao combustível, aos lubrificantes e aos gastos com veículos, no valor de R$ 126.525.436, o que equivale a 52.911.667 litros de gasolina, ou 84.666.667 litros de álcool combustível, suficientes para rodar mais de 5 milhões de quilômetros, ou fazer mais de seis viagens de ida e volta à Lua, com sobra na reserva para mais uma voltinha dentro do planeta, contribuindo, no final, com o acréscimo de 39 toneladas de CO2 para o aquecimento global.
Há ainda os famosos carros de som, consumindo R$ 45.754.220 e cujo único resultado, além do gasto de combustível e com motoristas, é o ruído irritante compulsoriamente imposto a todos e claramente superior ao permitido pela legislação - que é de 80 decibéis a 7 km de distância do carro de som (Resolução 204, artigo 1.º, CNT).
Com placas, estandartes e faixas já foram gastos R$ 95.950.202. Esses materiais trazem o agravante de serem fabricados com material altamente inflamável, que produz fumaça tóxica e não é biodegradável. Assim, facilmente se vê que nossa propaganda eleitoral será capaz de atravessar milênios.
Somam-se a isso os riscos de danos às pessoas, que podem ser causados pelos cavaletes e outros objetos colocados nas vias públicas - facilmente carregados pelos fortes ventos desta época -, pelos obstáculos ao trânsito ou pela distração causada aos motoristas; ou se tornam armas lesivas em confrontos apaixonados e conflitos exaltados de comícios pelo País. Todo o lixo produzido e lançado irresponsavelmente nas vias públicas pode entupir a rede de escoamento de água e contribuir para enchentes e alagamentos nas áreas urbanas.
Depois de cada eleição, com tristeza se verifica o total descompromisso com limpeza dos muros e pinturas, com a remoção de placas e outros apetrechos que continuam a assombrar a população ano após ano, em ofensiva poluição visual.
Nem tudo, porém, é desesperança. O grande avanço já trazido às maneiras de fazer propaganda eleitoral pelas Leis 11.300/2006 e 12.034/2009 se soma aos esforços daqueles que têm consciência ambiental. Nesse sentido, podem-se registrar decisões que determinaram a reciclagem do material de campanha, os acordos entre partidos e candidatos, os termos de ajustamento de condutas para racionalizar o uso de material lesivo ao meio ambiente ou, simplesmente, deixar de usar carros de som.
Não se tem notícia de que a propaganda eleitoral tenha sido obstada ou restringida, ou que tenha prejudicado candidatos em algum local onde essas medidas foram adotadas.
Pelos dados apresentados, percebe-se que se valoriza mais a forma da propaganda eleitoral do que a sua finalidade. Lamentavelmente, pouca atenção têm merecido as consequências de sua utilização abusiva e irresponsável em relação ao meio ambiente e às pessoas.
Qualquer propaganda eleitoral deve ser educativa e saudável. Legal em todos os sentidos.
* RESPECTIVAMENTE, JUIZ AUXILIAR DA PRESIDÊNCIA DO TSE, MEMBRO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (2009-2011); E BACHAREL EM DIREITO, COM ESTUDOS EM GESTÃO AMBIENTAL, É OFICIAL SUPERIOR DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
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