Degradação ambiental faz desertificação avançar sobre Minas Gerais
Em 20 anos, 1/3 das terras do Estado será improdutiva se não houver controle sobre fatores como desmatamento
Um terço do território mineiro corre o risco de virar deserto se nada for feito para combater a degradação do solo. A ameaça, que pode se concretizar em 20 anos, recai sobre 142 municípios que ocupam 177 mil quilômetros quadrados na Região Norte e nos vales do Jequitinhonha e Mucuri, onde predominam os climas semiárido e subúmido seco e de entorno. Reportagem de Thiago Lemos e Ana Lúcia Gonçalves, no Hoje em Dia, BH, MG.
As áreas, de baixa precipitação pluviométrica, já são suscetíveis à desertificação, que torna inviável o uso delas para fins econômicos e sociais. Para piorar, o processo é acelerado pela ação do homem, como indica o Plano de Ação Estadual de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca em Minas Gerais (PAE/MG). O estudo foi elaborado pelo Governo do Estado, conforme exigência do Ministério do Meio Ambiente.
Atividades intensas de agricultura e pecuária, desmatamento indiscriminado, irrigação mal planejada e cultivo de monoculturas em ecossistemas frágeis, de baixa capacidade de regeneração, levam à perda da capacidade produtiva do solo e da biodiversidade. De acordo com o engenheiro agrônomo Djalma Marcelino Duarte, os municípios de Francisco Sá, Verdelândia, Monte Azul, Mato Verde, Espinosa e Pedra Azul, no Norte do Estado, além de Santo Antônio do Jacinto e Rubim, no Jequitinhonha, já se encontram em processo de desertificação.
Djalma explica que estas regiões, onde se encontram os biomas Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica, apresentam distribuição irregular de chuva. Desta forma, sofrem com o prolongado e rigoroso período de seca, agravado por altas temperaturas. O solo, frágil, ainda é danificado por atividades agropecuárias insustentáveis, queimadas e uso de agrotóxicos.
Com o passar dos anos, a terra fica sem nutrientes, impossibilitando o crescimento de qualquer tipo de vegetação – florestas naturais ou plantações feitas pelo homem. Somado a isso, o desmatamento contribui para deixar o solo liso. Sem a cobertura vegetal, que serve para amortecer as gotas de chuva, a água carrega a terra, abrindo sulcos no terreno.
“O uso irregular começa, principalmente, a partir dos anos 1970, com a introdução de tratores. Isso contribuiu para o agravamento da situação nestes municípios”, diz o engenheiro agrônomo.
Além da questão ambiental, a perda da capacidade produtiva influencia no desenvolvimento econômico e social destas regiões. “Sem terra para cultivar, famílias precisam se deslocar para outras regiões”, explica.
No Brasil, o fenômeno da desertificação acontece em todo o Nordeste do país, no Norte de Minas e do Espírito Santo. Desde 2003, ações do Ministério do Meio Ambiente tentam conter o processo.
A Organização das Nações Unidas (ONU) define desertificação como danos em áreas de clima semiárido, árido e subúmido seco. As terras perdem o potencial produtivo devido a variações climáticas, como o aquecimento global, à escassez de chuvas e a atividades humanas degradantes, com impactos ambientais, sociais e econômicos.
Ameaça afeta 20% dos mineiros
Em Minas, 2,2 milhões de habitantes, ou 20% da população do Estado, vivem nas Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASDs). A atividade econômica que predomina nestas regiões vai do extrativismo vegetal à agropecuária empresarial.
A falta de chuva e a perda de espaço fértil devido à degradação do solo já apresentam, em algumas cidades, limitações para as atividades agrícolas. Em um futuro próximo, podem gerar graves problemas socioeconômicos.
Improdutivas, as terras acabam abandonadas. Sem opção, moradores, agricultores e pecuaristas têm que procurar outro lugar para viver.
“Os piores índices de desenvolvimento humano de Minas estão nas ASDs. E a situação pode piorar mais”, alerta o engenheiro agrônomo Djalma Marcelino.
Segundo ele, as dificuldades de plantio já provocam a migração de famílias. Os primeiros a ir embora são os jovens, em busca de emprego.
O Plano de Ação Estadual de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca em Minas Gerais aponta que, apesar das Regiões Norte e dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri contarem com programas estaduais para conter o problema, as iniciativas ainda são insuficientes.
Segundo Eliseu José de Oliveira, do conselho diretor do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, novas ações são urgentes. “Qualquer medida que vise ao controle da plantação de eucalipto e da criação de gado será importante”, diz.
Eliseu defende que a produção agrícola seja voltada para a agroecologia, sem uso de veneno no combate às pragas e com o incentivo para evitar a monocultura. Na criação animal, impedir queimadas para abrir áreas de pastagens também é fundamental.
O estudo de combate à desertificação em Minas traz 44 ações a serem implementadas nos campos ambiental, econômico/produtivo e social. Mas o alto custo pode impedir o deslanchar das medidas.
Para conter a degradação e seus efeitos no Norte de Minas e nos vales do Jequitinhonha e Mucuri, seriam necessários investimentos de R$ 1,29 bilhão. Segundo o analista de infraestrutura do Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (Pan-Brasil), Marcos Santana, a verba ainda não está disponível. A expectativa, porém, é de que até o fim do ano R$ 17 milhões sejam liberados para o início dos trabalhos no país inteiro.
Impacto até no Rio Doce
GOVERNADOR VALADARES – Estudos sobre o clima no Vale do Rio Doce apontam para a tendência de desertificação, com a extinção de espécies de plantas e animais. A conclusão vem de dados coletados entre 1975 e 2004 por uma estação do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) em Governador Valadares.
Além dos prejuízos para agricultores, que amargam queda da produtividade das lavouras e não sabem mais quando e o quê plantar, a instabilidade climática também já estaria provocando mudanças no homem, como maior transpiração, e elevando os gastos para se viver com qualidade. Um dos problemas seria o alto consumo de energia, principalmente pelos aparelhos de ar condicionado, levando ao risco de blecaute.
“É preciso tomar providências antes do caos, e isso não acontece da noite para o dia”, adverte o engenheiro agrônomo Alexandre Sylvio Vieira, pós-doutor em Geociências pela UFMG e autor da pesquisa.
Temperatura em alta e chuva mais escassa
O estudo revela a tendência de redução das chuvas e da umidade relativa do ar na região. Também prevê o aumento das temperaturas mínima e máxima. O conjunto de fatores compromete, em especial, a agricultura e a agropecuária, importantes fontes da economia do Vale do Rio Doce.
Como a região já é desmatada e degradada em consequência do uso intensivo das pastagens, a chuva não infiltra no solo. Isso reduz as nascentes, provocando falta d’água no período da seca. “Levando-se em conta que a maioria dos agricultores depende das chuvas para plantar, a situação vai se agravar”. Entre as principais culturas da região estão o milho, o feijão e o quiabo.
Outro problema trazido pela desertificação é o desaparecimento de animais. O que, segundo a bióloga Waleska Bretas, tem consequências diretas na vida no homem. “Quando uma espécie é extinta, toda a cadeia alimentar fica alterada. Se a população de gaviões diminui, aumenta a população de cobras, que servem de alimento para eles”, explica a bióloga.
EcoDebate, 30/03/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário