Malthusianismo, neomalthusianismos e direitos reprodutivos, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Thomas Robert Malthus (1766-1834) escreveu o “Ensaio sobre a população”, em 1798, para rebater as ideias progressistas dos iluministas Marquês de Condorcet (1743-1794) e William Godwin (1756-1836) que defendiam os ideais da Revolução Francesa e consideravam que a racionalidade e a “perfectibilidade humana” poderiam superar a pobreza, reduzir as altas taxas de mortalidade e garantir o bem-estar da humanidade.
Malthus era um ideólogo que defendia os interesses dos proprietários de terra, da nobreza e do clero e considerava que a pobreza era uma forma de “inclusão subalterna” a serviço das elites econômicas do antigo regime. No modelo malthusiano a pobreza é a única forma de manter a população sobre controle de acordo com o “princípio de população”, formulado da seguinte maneira: “A população, quando não controlada, cresce numa progressão geométrica, e os meios de subsistência numa progressão aritmética”.
No modelo de Malthus, a população tendia a crescer em progressão geométrica em função de uma suposta relação direta entre fecundidade e renda. Na visão malthusiana, se a pobreza fosse reduzida as pessoas teriam mais filhos sobreviventes e o crescimento dos meios de subsistência não acompanharia a “explosão populacional”. O controle da população deveria ocorrer via aumento das taxas de mortalidade, o que ele chamou de “cheques positivos”, isto é, miséria, fome, epidemias e guerras.
Para Malthus, os salários deveriam ser mantidos ao nível de subsistência, capazes de sustentar apenas um casal com dois filhos sobreviventes. Portanto, o “princípio de população” de Malthus serviu para fundamentar a “lei de bronze” dos salários, além de fornecer elementos contra a “lei dos pobres”, um tipo de programa de transferência de renda que existia na Inglaterra no século XIX.
Mas, caberia uma pergunta: por que não reduzir as taxas de fecundidade para impedir o crescimento geométrico da população? Esta seria a solução mais adequada para combinar a erradicação da pobreza sem pressionar os recursos naturais. Porém, Malthus – que era pastor da Igreja Anglicana – era contra qualquer método contraceptivo e contra o aborto seguro. Ele considerava que os casais deveriam fazer sexo com a finalidade generativa de acordo com o princípio bíblico “crescei e multiplicai-vos”. Desta forma, Malthus considerava que só a alta mortalidade poderia controlar a população.
Evidentemente, o malthusianismo é uma ideologia insustentável em uma sociedade democrática, pois é impossível para um governo, eleito pelo povo, propor o aumento da mortalidade (via aumento da miséria, fome, epidemias e guerras) para controlar o aumento populacional. Numa sociedade democrática é preciso ter propostas para diminuir as taxas de mortalidade e aumentar o bem-estar da população.
Foi exatamente depois da Segunda Guerra Mundial, em um ambiente de crescimento da democracia no mundo, que tomou forma a ideologia do neomalthusianismo, que tem como ideia base o controle do crescimento populacional, não pelo aumento da mortalidade, mas pela redução das taxas de fecundidade.
Os neomalthusianos, ao contrário de Malthus, consideram que existe uma relação inversa entre pobreza (renda) e fecundidade. Desta forma, são socialmente muito mais avançados, pois consideram que a pobreza pode ser eliminada, mas para tanto, seria preciso controlar o crescimento exponencial da população. Eles consideravam que um rápido crescimento da população poderia ser um entrave ao desenvolvimento, pois canalizaria a maior parte dos recursos econômicos para as grandes e jovens gerações. Neste sentido, o controle da população (via planejamento familiar) seria um pré-requisito para a decolagem (take off) do desenvolvimento. Portanto, os pensadores neomalthusianos são aqueles que defendem que o controle da natalidade seja uma prioridade das políticas públicas, nos países que estão no início da transição demográfica.
Existem dois tipos de neomalthusianos: 1) os que defendem um amplo controle da natalidade, se necessário de forma autoritária; e 2) os que defendem incentivos ao controle da natalidade de forma democrática e sem recorrer a meios autoritários.
O primeiro tipo pode ser encontrado na China continental que adotou, a partir de 1979, a política de filho único e obriga os casais a utilizar os métodos contraceptivos reversíveis, a esterilização ou o aborto como forma de atingir o objetivo de um filho por casal.
O segundo tipo de neomalthusianismo é aquele que busca incentivos para o controle da natalidade, buscando reduzir o preço dos meios contraceptivos, aumentar o acesso dos pobres aos métodos de regulação da fecundidade ou até mesmo dar prêmios para a adoção voluntária do controle da natalidade.
Evidentemente, este segundo tipo de neomalthusianismo está muito mais próximos dos ideias aprovados na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo em 1994. Como disse Hodgson e Watkins (1999), o “neomalthusianismo democrático” está mais próximo do femininismo e das forças progressistas e pode ser até considerado um aliado contra os malthusianismos ainda existentes nos setores conservadores e no fundamentalismo religioso.
Porém, existe muita confusão entre malthusianismo e neomalthusianismo. As ideias do primeiro são muito mais conservadoras do que as dos segundos. Porém, ambos foram superados pela CIPD/1994 que definiu que todos os casais do mundo podem ter a liberdade de decidir como, quando e quantos filhos querem ter. Este é o princípio dos DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS, que se opõe tanto ao malthusianismo quanto ao neomalthusianismo.
A autodeterminação reprodutiva, quando colocada em prática, suplanta os (pré)conceitos do malthusianismo e do neomalthusianismo. A autorregulação reprodutiva das pessoas, das famílias e da sociedade é o caminho para estabelecer a racionalidade no campo da dinâmica demográfica.
Nos 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), um dos pontos estabelecidos foi: “Universalizar os serviços de saúde sexual e reprodutiva”. Se este objetivo for colocado em prática de maneira democrática e na perspectiva dos direitos humanos, então a polêmica provocada pelos malthusianos e neomalthusianos vai apenas fazer parte da história. A população não será mais tratada como uma bomba, que ora explode e ora implode.
Desta forma, depois de 200 anos, espera-se que os ideais progressistas e os cenários otimistas de Condorcet e Godwin possam predominar sobre os vaticínios pessimistas do sombrio e conservador reverendo Thomas Malthus e seus acólitos.
O próximo passo após a universalização dos direitos sexuais e reprodutivos é garantir também os direitos da Terra e da biodiversidade. O desafio do século XXI será superar o antropocentrismo e colocar os direitos humanos em harmonia com os direitos das demais espécies vivas do Planeta. Este será um desafio a ser explicitado nas propostas da Conferência Rio + 20, a ser realizada em junho de 2012.
Referências:
ALVES, J. E. D. . A polêmica Malthus versus Condorcet reavaliada à luz da transição demográfica. Textos para Discussão. Escola Nacional de Ciências Estatísticas, Rio de Janeiro, v. 4, p. 1-56, 2002. Disponível em: http://www.ence.ibge.gov.br/publicacoes/textos_para_discussao/default.asp
HODGSON, D.; WATKINS, S. C. Feminists and neo-malthusians: past and present alliances. Population and Development Review, New York , v.23, n.3, p.469-523, Sept., 1999
José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
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