[EcoDebate] A Amazônia não é nossa e nem de ninguém. A Amazônia não pertence ao Brasil, nem à Bolívia, Peru, Colômbia ou Venezuela. Não pertence a país algum. A Amazônia não é um patrimônio da humanidade. Desde seu berço, ela nunca teve dono, pois nasceu e cresceu muito antes do surgimento do ser humano. A Amazônia pertence a ela mesmo.
A Amazônia deveria ser entendida como um “patrimônio” da natureza e não como um recurso a serviço da voracidade humana. A floresta existe desde o período Eoceno, há cerca de 55 milhões de anos, tendo se expandido e se contraido de acordo com as Eras Glaciais. Ao longo da sua existência a floresta tem sido a casa de inúmeras espécies de animais e plantas, que formavam um bioma vivo em constante evolução.
A bacia amazônica estende-se por uma área de cerca de 7 milhões de quilômetros quadrados (km2) na América do Sul e, em sua foz, alimenta o Oceano Atlântico com 20% de toda a água doce que chega nos mares do mundo. De sua área total, cerca de 4 milhões de km² encontram-se no Brasil. A bacia amazônica abriga a maior floresta tropical do Planeta, que é o lar de cerca de 2,5 milhões de espécies de insetos, dezenas de milhares de plantas e mais de duas mil espécies de aves, peixes e mamíferos. Muitas espécies são endêmicas (só encontradas na região). A floresta, na maior parte do tempo, absorve carbono, mitigando as consequências do aquecimento global.
Calcula-se que as primeiras pessoas chegaram na Amazônia há 12 mil anos. Não sendo natural da região, o ser humano tem sido considerado uma espécie invasora, por alguns autores. No século XVI, os Europeus difundiram o mito do Eldorado amazônico, o que provocou diversas expedições exploratórias na região. Mas a invasão em maior escala ocorreu aos poucos e só adquiriu um grau de ameaça nas últimas décadas.
No iníco do século XX a Amazônia foi invadida por seringueiros a busca da borracha para produzir pneus para a nascente industria automobilistica mundial, especialmente, dos Estados Unidos. Henry Ford chegou a construir uma cidade na Amazônia (Fordolândia, em 1927) para fornecer matéria-prima para suas linhas de montagem.
Tendo os rios como principal rota de locomoção, os veículos automotores começaram a chegar em maior quantidade na Amazônia com a rodovia Belém-Brasilia, inaugurada em 1960. Porém, foram nos governos militares, a partir de 1964, que a Amazônia virou prioridade para o desenvolvimento regional e para a ocupação dos “espaços vazios” em nome da segurança e da grandeza nacional.
Com o lema “Integrar para não entregar”, o discurso oficial do regime ditatorial promoveu um movimento de ampla ocupação da Amazônia a partir de grandes projetos de empresas mineradoras, madereiras e agropecuárias. Em 1965, o presidente Castelo Branco anunciou a Operação Amazônia e, em 1968, o regime criou a SUDAM (Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia) com autoridade para distribuir incentivos fiscais e créditos para o desenvolvimento. Uma das obras mais faraônicas foi a Rodovia Transamazônica (BR-230), projetada durante o governo do presidente Emílio Garrastazu Médici e inaugurada em 1972 pretendia unir a cidade de Cabedelo, na Paraiba, a Benjamin Constant, no Amazonas, chegando até o Peru. No total a Transamazônica foi projetada para ser uma rodovia pavimentada com 8 mil quilômetros de comprimento, cortando a floresta e incentivando projetos de colonização, isto é, projetos de desmatamento e agressão ao meio ambiente.
Ou seja, usando a desculpa nacionalista e o discurso da Grande Pátria, os governos militares promoveram um vasto programa de destruição da floresta e de exploração dos recursos naturais, difundindo o lema: “A Amazônia é nossa”. O resultado só confirma a frase de Samuel Johnson: “O patriotismo é o último refúgio dos canalhas”.
Uma das iniciativas mais exdrúxulas foi a criação da Zona Franca de Manaus (ZFM). Ao contrário dos países asiáticos que criaram Zonas Francas de exportação, o Brasil criou uma Zona de importação. Ou seja, o governo atrai multinacionais com insenção de impostos de importação, desconto parcial de ICMS e insenção temporária de IPTU, sem obrigação de transferência de tecnologia e investimentos em educação. Tudo isto para que as empresas internacionais, especialmente nas áras de televisão, informática e motocicletas, possam com suas montadoras (ou maquiladoras como dizem os mexicanos) promover o consumismo de produtos estrangeiros e competir em situação de vantagem contra as industrias localizadas no restante do país.
Depois de quase 50 anos da criação da ZFM, a cidade de Manaus ainda têm 50% dos domicílios sem esgotamento sanitário adequado. Porém, com o apoio do Governo Federal, inaugurou recentemente uma ponte de 3,6 km sobre o Rio Negro ligando a capital do Amazonas à cidade de Iranduba do outro lado do rio. Ao invés de aperfeiçoar a navegação fluvial e o transporte coletivo intermodal, o governo do Amazonas constrói uma ponte para aumentar a circulação de carros e ampliar a ocupação desenfreada e desorganizada da região metropolitana de Manaus. Porém, apesar de todos os problemas da Zona Franca e dos prejuízos causados ao restante do país, a presidente Dilma Roussef, atendendo às pressões políticas regionais, anunciou que a vigência da Zona será prorrogada por mais 50 anos.
Desta forma, a Amazônia continua sofrendo com projetos de mineração, extração de petróleo e gás, expansão da pecuária, desmatamento, fogo, exploração de madeira, tráfico de animais, redução da biodiversidade, poluição dos rios e construção de usinas hidrelétricas, como a tão criticada Belo Monte. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o desmatamento acumulado da Amazonia, entre 1988 e 2011, foi de 18% e para cada hectare inteiramente desmatado, outro sofre degradação irreversível.
Números do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real, do INPE, mostram uma aceleração das agressões à floresta: em relação ao último bimestre de 2010, os focos de desmatamento ou degradação cresceram cerca de 60%, passando de 135 km2 para 218 km2 em 2011. Portanto, a destruição continua, mesmo no ano em que o Brasil sedia a Conferência do Meio Ambiente, a Rio + 20. A biopirataria e o tráfico de madeira de lei, plantas e animais silvestres continua mesmo em áreas de proteção ambiental ou reservas indígenas.
No atual ritmo de destruição da Amazônia, a floresta e a rica biodiversidade terão se reduzido drasticamente no prazo de poucas décadas. Não será novidade para o Brasil, pois isto já aconteceu com a Mata Atlântica que atualmente possui apenas 7% da sua cobertura original e o Cerrado onde restam menos de 50%. O aquecimento global será um fator adicional de transformação negativa da Amazônia. Ou seja, a maior floresta tropical do mundo poderá ser transformada em um novo bioma composto por savanas, algumas castanheiras e a monocultura de pastos dominados pela pecuária junto a algumas plantações de soja.
Se as tendências atuais continuarem, a Amazônia, tal como conhecemos, não será nossa e nem de ninguém. Será apenas uma lembrança de uma maravilha da natureza que existiu por mais de 55 milhões de anos e foi destruída, em pouco tempo, por uma espécie invasora.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 21/03/2012
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