Miguel Milano*
188 países se reuniram na Rio+20, mas a melhor ação foi nos eventos paralelos. Foto: Tribarte
Não foi diferente do esperado! Não obstante os 188 países representados, com mais de 100 chefes de estado ou governo presentes, e os cerca de 45 mil participantes, entre delegados (12 mil), observadores de ONGs e equivalentes (10 mil), jornalistas (4 mil) e o que mais puder entrar nessa conta (quase 20 mil), não se foi além das previsões pessimistas de que não obteríamos na Rio+20 nenhum encaminhamento efetivo para o futuro das sociedades humanas no nosso planeta.
Não quero dizer que o planeta, ou mais precisamente a civilização humana globalizada, terá de esperar mais 20 anos para ter alguma resposta organizada à crise ambiental em curso e que se agrava a cada momento, mas não temos nada para celebrar. Com europeus, americanos e japoneses em crise e sem disposição de abrir a carteira, e os emergentes ainda apostando que dá para espremer o planeta até a última gora em benefício do seu crescimento econômico, o paradigma do desenvolvimento sustentável ficou para ser alcançado mais à frente. As autoridades dizem que não andamos para trás. Era mesmo só o que faltava no presente contexto.
Mas o Rio de Janeiro esteve em festa. Hotéis com 95% de ocupação, preços nas alturas, insustentáveis, e passeatas de fazer inveja aos desfiles de escolas de samba – pelo menos na quantidade e qualidade das plumas. Na diversidade ímpar das manifestações, nossos índios e aqueles de outros países não deixaram por menos no show da arte plumária. Coitadas dos ameaçados gaviões reais, araras azuis, papagaios, araras jubas e tantas outras espécies, muitas ameaçadas.
"Nada de dar valor e pagar pela biodiversidade. Abaixo o capital! Parece que o melhor mesmo é ter as florestas derrubadas, os rios poluídos e represados e a biodiversidade destruída, pelo menos se for preciso pagar para tê-los íntegros."
O Aterro do Flamengo, onde aconteceu a “cúpula dos povos” foi a concentração, a avenida sambódromo e também a dispersão da grande festa. E foi lá que eu vi, irados representantes da sociedade civil rejeitar com veemência o que chamaram de mercantilização da natureza e da vida. Nada de dar valor e pagar pelas florestas em pé! Nada de dar valor e pagar pelos rios vivos! Nada de dar valor e pagar pela biodiversidade. Abaixo o capital! Parece que o melhor mesmo é ter as florestas derrubadas, os rios poluídos e represados e a biodiversidade destruída, pelo menos se for preciso pagar para tê-los íntegros.
Eu não vi, mas nem precisava, porque estavam mais que bem representados pelos chefes de estado e as trupes diplomáticas nacionais presentes, a atuação da turma da indústria do carbono: carvão, petróleo, gás, automóveis e afins. Acho que foi discreta, pois com representação oficial nem precisou se contrapor à sociedade civil com bloco carnavalesco próprio.
Eventos paralelos apontaram o futuro
Mas a Rio+20 dos eventos paralelos também teve momentos de reflexões importantes, eventualmente memoráveis. De partida, no dia 14, aconteceu a “Reunião da indústria pela sustentabilidade”, com direito a palestras de Gro Brundtland, Izabella Teixeira e Antonio Patriota, na qual os diversos setores industriais do país apresentaram propostas de e para a sustentabilidade. No dia 15, o “workshop internacional de negócios e biodiversidade”, evento do Instituto LIFE em parceria com o secretariado da Convenção da Diversidade Biológica e a CNI (Confederação Nacional da Indústria), contou com as presenças de, entre outros, Thomas Lovejoy e Pavan Sukhdev. Em ambos eventos a biodiversidade, a natureza e o meio ambiente tinham valor e o que se buscava, de certa forma, era como dar preço e de quem cobrar. Afinal, se a mercantilização da natureza e do meio ambiente está na raiz dos problemas do planeta, na lógica mercantil o assunto também aparece como parte da solução.
No “Humanidades 2012”, no Forte de Copacabana, tive o prazer de ouvir o filósofo e economista Eduardo Giannetti da Fonseca dizer que as metodologias de cálculo do PIB são, no mínimo, toscas, para então exemplificar: uma comunidade que vive numa condição em que a água é simplesmente captada e distribuída por gravidade e sem tratamento e, por tanto, sem custo, não tem o “valor” desse serviço no PIB; mas se essa mesma comunidade destruir as florestas e poluir a água, que requererá tratamento, em geral caro, aí “custo” vira PIB. Ou seja, destruir gera crescimento do PIB e conservar gera estagnação - fato econômico concreto que é verdadeira estupidez. No mesmo evento foi possível ouvir o economista inglês Tim Jackson defender a prosperidade sem crescimento, que depois do exemplo de Giannetti, parece uma possibilidade óbvia mas que ninguém quer ver.
"Lovejoy provocou para que pensássemos na possibilidade de aplicação do conceito contábil de depreciação aplicado a custos como abastecimento de água por exemplo, para a criação de fundos de pagamentos pela manutenção ecossistemas"
Na mesma toada Lovejoy provocou para que pensássemos na possibilidade de aplicação do conceito contábil de depreciação aplicado a custos com certos serviços, como abastecimento de água por exemplo, para a criação de fundos de pagamentos pela manutenção de florestas e outros ecossistemas geradores de benefícios associados. Esta uma idéia que tem conexão estreita com a nova Certificação LIFE para negócios e biodiversidade, que reconhece ações de empresas para conservação levando antes em conta sua “pegada ambiental” mas evitando o chamado “greenwashing” (limpeza ecológica da imagem) ou o “pay for trash” (pagar para poluir) e assegurando uma equivalência mínima entre impacto gerado e conservação realizada, numa aproximação do conceito de neutralização de emissões aplicada à biodiversidade. Inovadora, esta iniciativa nacional recebeu as bênçãos do secretariado executivo da Convenção da Diversidade Biológica e está em franca expansão internacional, a começar por cinco países da América Latina. Empresas e marcas como O Boticário e Natura, conhecidas por ações de proteção e uso da biodiversidade, como também a Posigraf, o braço gráfico do Grupo Positivo, poderão se beneficiar da iniciativa, que avança rápido.
Também tem me chamado a atenção os avanços na cadeia do alumínio, produto intensivo em energia e por isso mesmo freqüentemente repudiado, inclusive por mim mesmo. Estimando-se que cerca de 85% de todo alumínio industrializado no planeta desde o início de sua produção no início do século passado siga em circulação útil, via reciclagem, o produto segue de alta utilidade e potencial . Hoje em dia, uma lata de refrigerante ou cerveja leva cerca de apenas 30 dias entre sair da gôndola do mercado e voltar para lá novamente, cheia. A Novelis, multinacional do setor de alumínio laminado, derivada da Alcan e hoje controlada pelo grupo indiano Aditya Birla, com fábricas em mais de uma dúzia de países, entre eles o Brasil, detém cerca de 20% do mercado mundial de laminados e tem planos arrojados: passar dos atuais cerca de 20% de matéria prima reciclada no processo produtivo para 80% até 2020 (no Brasil já passa de 50%), quando, na prática terá um novo negócio. Nesse processo terá aumentado seu consumo de energia, mas seus clientes, Coca Cola, Jaguar e BMW entre inúmeros outros, contarão com alumínio laminado energeticamente muito mais econômico, com ganhos para toda a cadeia produtiva e o planeta.
Precisamos de mais iniciativas assim, como a da Novelis na eco-eficiência e do Boticário na conservação, dando exemplo no rumo da sustentabilidade, e também de instituições como LIFE reconhecendo esses passos, para que não esperemos pela Rio+40 para, quem sabe, ver os governos adiar de novo decisões urgentes ou, mais provavelmente, discutir quem paga a conta das ações mitigadoras das catástrofes ambientais mais regulares que enfrentaremos.
*Miguel S. Milano é Engenheiro Florestal, Mestre e Doutor em Ciências Florestais. Ele também é membro do conselho de administração da Associação O Eco, responsável pela publicação do site ((o))eco.
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