Por esses dias, o "meio ambiente" de tantas viagens não me foi favorável: entrando e saindo em aeronaves e salas climatizadas ou espaços com grande número de pessoas, acabei por contrair uma forte gripe. Tive que ver pela internet o debate, no Dia Mundial do Meio Ambiente, sobre as implicações das emissões de CO² terem atingido a marca histórica de 400 partes por milhão, anunciando mais aumento na temperatura da Terra.
No debate, o cientista Antonio Nobre nos encantou e também nos espantou com sua poética e detalhada exposição. A descrição científica dos processos que sustentam e promovem a vida no planeta revelam o quanto é ilusória a ideia de infinitude e onipotência humanas quando nossa atmosfera, o clima, a biodiversidade e a fertilidade dos solos se sustentam numa complexa e frágil rede de relações e condições físicas, químicas e biológicas.
O assombro é maior quando vemos que existem novas e dramáticas evidências do aquecimento e das mudanças climáticas nos últimos anos.
Céticos ou apenas interessados em não enxergar, os condutores da política e da economia guiam-se uns aos outros e empurram a humanidade para o desastre.
No mesmo dia, nossa presidente Dilma se esmerou, numa solenidade burocrática, para fazer seu protocolar discurso sobre a data. Anunciou dados antigos sobre o desmatamento, ignorando indicadores recentes que revelam aumento e descontrole do desmatamento na floresta amazônica e na mata atlântica.
Anunciou planos de mitigação das mudanças no clima prontos há quase um ano e que preveem aumento das emissões até 2020, e não redução. Também usou as hidrelétricas a fio d'água, necessárias para "reduzir" o tamanho dos lagos, para justificar a injustificável opção do governo pelas poluentes e caras termelétricas ao excluir as eólicas do próximo leilão, em agosto.
A superficialidade dos discursos oficiais contrasta com a dramaticidade do aumento da frequência de eventos climáticos extremos, como enchentes no Amazonas e seca no Nordeste. Não precisamos denunciar o retrocesso na política ambiental, a realidade o faz.
Outro dia, em Porto Alegre, um militante me mostrou seu cartaz com a frase "respeitar o meio ambiente é amar ao próximo". Fiquei pensando na resposta emocional que está na base dos nossos posicionamentos sociais, políticos e econômicos. Nas campanhas, todos são tão emocionados! Depois ficam céticos, pragmáticos, burocráticos... enfáticos, só em fazer mais do mesmo.
Não desejo a ninguém os rigores e a fúria de um ambiente maltratado. O que desejo e recomendo a todos é uma boa e científica dose de encanto e espanto, para que assim, quem sabe, possamos acordar.
MARINA SILVA
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve às sextas na versão impressa da Página A2 da Folha de São Paulo.
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