Ser pensante é perigoso, artigo de Nara França
Ser pensante é perigoso – não há motivo evidente, mas é perigoso.
[EcoDebate] Cuidado com os seres que não seguem a ‘boiada da vida’. Cuidado com os seres que seguem na contramão. Cuidado, muito cuidado – ser pensante é perigoso.
Cuidado com o ser pensante em casa, na faixa de segurança, na roda de amigos, no cinema, na rua, no banheiro publico, no botequim, na praia, na fabrica, no balcão, no velorio, no metrô, na fila de banco, na palestra, no mercado. Cuidado com o ser pensante na vizinhança, no avião, diante da televisão, no trabalho, na reunião, no estadio de futebol, no baile, na repartição publica, na praça, no navio, na internet, lendo jornal, no restaurante, na esquina, no onibus, na escola, no culto religioso, no cinema, no trem, na cerimonia de casamento, no transito. Cuidado com o ser pensante vendendo pipoca, na farmacia, em viagem turistica, na sala de aula, na padaria, no escritorio, lavando louça, na chacara.
Ser pensante é perigoso – em todo lugar, pra todo mundo, em todos os tempos.
Ser pensante está sempre pensando, mas não distraído. Vive a vida, e ainda pensa. Faz o que todo mundo faz, e ainda pensa. Quando questionado sobre o que está pensando, nem assim, o ser pensante deixa de pensar, e responde: Só pensando. O ser pensante não chega dar nome ao que pensa, por que pensa o que não tem denominação. E ainda pensa.
Ser pensante pode ser gordo, magro – ou nem isso, nem aquilo. Ser pensante pode ter estatura alta, ou baixa, usar óculos, aparelho nos dentes, colostomia, tatuagens, muletas, lentes, cicatrizes, platina nos ossos, livro debaixo do braço, bengalas, coleção de borboletas. O ser pensante usa os mesmos disfarces do ser não-pensante – e segue, incolume, pensando, pensando.
Ser pensante sente medo, fome, alegria, raiva, amor, dor de dente, sede, inveja, saudade, colica, insegurança, emoção, sono, desejo, cansaço, tristeza, ciúme, pavor, enjoo, calma, dor, fobia, insonia, euforia, solidão, revolta, angustia. Ser pensante sente tudo que o ser não-pensante sente – e ainda pensa.
Ser pensante, quando fala, fala por que pensou, ou não quer pensar. Ser pensante dificilmente é identificado por ser não-pensante: Se um pensa, o outro não pensa que um pensa. E já não há mais o que pensar a respeito.
Ser pensante é perigoso – não há motivo evidente, mas é perigoso. Ser pensante não pára de pensar, e não parar de pensar pressupõe pensar mais, pensar além, pensar, pensar ilimitadamente, infinitamente. Para o ser não-pensante, pensar demais, pensar além, pensar é coisa de ser pensante – perigoso.
Alguns seres pensantes sabem ler – outros não, mas agem com tamanha lucidez, como se simplesmente não lessem mais, e continuam pensando. Alguns até escrevem – outros não, mas estão sempre escrevendo historias na vida, pensando.
Identificá-los?… é tão simples, bem mais que identificar os seres não-pensantes. Até por que a maioria foge do ser pensante, e segue a ‘boiada’. Na contramão, eles reaparecem – os seres pensantes -, como nunca, como sempre. Ser pensante é perigoso: cuidado com ele, cuidado com você, se você (também) pensa…
Nara França é Jornalista
Colaboração do Cepec- Centro de Estudos Politicos Econômicos e Culturais para o EcoDebate, 15/09/2011
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