Brasília, 31/10/2012 – O índio Eleseu Lopes fala sobre a decisão de povos da etnia Guarani-Kaiowá de irem às últimas consequências para evitarem ser despejados das terras onde vivem em Mato Grosso do Sul. Foto de Elza Fiuza/ABr
A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.
Sumário:
A indizível violência contra um povo
A terra na vida dos Guarani-Kaiowá
Guarani-kaiowá enfrentam o agronegócio e o Estado
Politizar a luta dos Guarani-Kaiowá
Eis a análise.
A indizível violência contra um povo
A carta da comunidade de 170 índios Guarani-Kaiowá (50 homens, 50 mulheres e 70 crianças) que vivem confinados em uma pequena área em Iguatemi/MS ecoou como um grito de desespero que impressionou até mesmo indigenistas experientes como Egon Heck: “Ao ler o teor do comunicado, fico estarrecido e me junto ao grito dos condenados – que país é esse?”.
Afirma a carta: “Sabemos que seremos expulsas daqui da margem do rio pela justiça, porém não vamos sair da margem do rio. Como um povo nativo/indígena histórico, decidimos meramente em ser morto coletivamente aqui. Não temos outra opção, esta é a nossa última decisão unânime diante do despacho da Justiça Federal de Navirai-MS”.
A comunidade que integra a comunidade Pyelito Kue/Mbarakay – que quer dizer terra dos ancestrais – diante da ameaça de despejo pediu para o governo para ser enterrada ali mesmo junto aos antepassados: “Solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação/extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos”, afirma o texto.
A carta manifesto da comunidade de Iguatemi/MS espalhou-se rapidamente entre ativistas e ganhou as redes sociais – muitos mudaram o seu perfil no facebook assumindo identidade Guarani-Kaiowá – e repercutiu internacionalmente. A carta foi interpretada como ameaça de suicídio coletivo e criou comoção.
O CIMI preocupado com interpretações equivocadas esclareceu que a expressão “morte coletiva” precisa ser contextualizada na cultura guarani. O CIMI esclarece que quando os Guarani-Kaiowá “usaram a expressão ‘morte-coletiva’, que é diferente de suicídio coletivo, se referiam ao contexto da luta pela terra. Isto é, se eles forem forçados a sair de suas terras pela Justiça ou por pistoleiros contratados por fazendeiros, estariam dispostos a morrer todos nela, sem jamais abandoná-la, pois vivos não sairiam do chão de seus antepassados”.
Por outro lado, diante do estupor nacional de que índios no Mato Grosso do Sul ameaçam se matar, o CIMI esclarece “que o suicídio entre os índios Kaiowá e Guarani ocorre, já há algum tempo, sobretudo entre os jovens. Entre 2003 e 2010 foram 555, motivados porém, por situações de confinamento, falta de perspectiva, violência, afastamento das terras tradicionais e vida de acampamento às margens de estradas. Nenhum dos referidos suicídios ocorreu de maneira coletiva, organizada ou anunciada”.
A carta da comunidade de Pyelito Kue na verdade é mais um capítulo da crônica de violência étnica em Mato Grosso do Sul que vem vitimando indígenas. Há um ano, a violenta, dolorosa e desumana morte do cacique Nísio Gomes dava conta dessa infindável história de atrocidades, assim como o assassinato dos professores guarani Rolindo Véra e Genivaldo Véra.
Faz tempo que os indígenas afirmam “quase não temos mais chance de sobreviver neste Brasil”. Como não lembrar a inquietante afirmação do kaiowá Guarani Anastácio? “Aqui o boi vale mais do que uma criança guarani”. A situação dos índios no Mato Grosso do Sul já foi definida pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat como “a maior tragédia indígena do mundo”.
Desaldeamento, intimidações, destruição de plantações, queima de barracos, humilhação, fome, doenças, perseguições, sequestros e assassinatos seguidos da crueldade do desaparecimento de corpos fazem parte da vida cotidiana da comunidade indígena Guarani-Kaiowá.
A carta denúncia da comunidade Pyelito Kue escancarou a verdadeira guerra contra os indígenas na capital do agronegócio – o Mato Grosso do Sul. No modelo plantation, da soja, do milho, da cana de açúcar e das pastagens não cabem os Guarani-Kaiowá.
Os grupos indígenas representam um empecilho ao agronegócio. A pesquisadora Iara Tatiana Bonin, afirma que são vistos como “ervas daninhas que devem ser erradicadas dos jardins do latifúndio para deixaram o caminho livre para os planos dos ‘jardineiros do progresso’”.
O indigenista Antonio Brand (falecido recentemente), em entrevista à Revista IHU On-Line – Os Guarani. Palavra e Caminho, alertava para o fato de que “o assédio às terras ocupadas por povos indígenas sempre foi enorme. Terras remanescentes e ricas foram alvo de mineradoras, depois de fazendeiros para a expansão do agronegócio – soja, arroz, cana-de-açúcar, eucalipto – e da pecuária. Por fim, também de obras de infra-estrutura – como estradas ou hidrovias – e de produção de etanol, com enormes impactos ambientais e sociais. Não raro essa dinâmica exploratória contam com recursos públicos provenientes do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC)”.
“De um lado, se tem um dos estados de economia mais florescentes do País, baseado na monocultura de milho, na criação de gado e, agora, na monocultura da cana-de-açúcar entrando com muita força. E, por outro lado, muitas populações expulsas do campo, dentre elas principalmente as indígenas. Essas são as mais afetadas, pelo fato de suas terras se situarem, em geral, nas áreas mais férteis que são as de mata Atlântica, no extremo sul do estado, as terras Guarani-Kaiowá”, destaca o indigenista Egon Heck.
A arbitrariedade é tamanha, que segundo Heck, “o gado dispõem de 3 a 5 hectares de terra por cabeça, enquanto os índios Guarani-Kaiowá não chegam a ocupar um hectare por índio. Assim, com falta de terra, centenas de sem terras indígenas são obrigados a se deslocar para a beira das estradas. Essa é uma situação calamitosa para essas populações, além de gritante em termos de injustiça para com os povos indígenas e os trabalhadores sem-terras”, enfatiza o indigenista.
A situação calamitosa atinge a todos nas comunidades indígenas, mas vale destacar o drama da mulher indígena, pois antes “ocupava um lugar de grande prestigio no interior da sociedade guarani (…) Hoje, as mulheres guarani, em muitos casos, acabam isoladas e confinadas, em casas e quintais cada vez mais reduzidos e precários e, como consequência, mais dependentes dos homens e do dinheiro que estes trazem dos contratos nas usinas de produção de açúcar e álcool. Como educar seus filhos nesse contexto? Lembra a pesquisadora Paz Grünberg.
O interesse do agronegócio fundado na exploração desmedida e predatória do meio ambiente entra em choque frontal com a perspectiva indígena do bem viver e do significado que para eles têm a terra. “Eles não são contrários ao progresso e ao desenvolvimento, apenas tem uma outra concepção de desenvolvimento – menos depredadora dos recursos naturais e assentada sobre uma outra cosmovisão –, razão pela qual conflitam com o modelo de produção e de desenvolvimento dominante, baseado na grande propriedade, na monocultura e na exploração predatória dos recursos naturais e humanos”, diz Iara Tatiana Bonin.
O significado da terra na vida dos Guarani-Kaiowá
Todos os estudiosos, pesquisadores, militantes, agentes de pastoral que acompanham a luta dos Guarani-Kaiowá afirmam que a terra está no centro do conflito. Na visão etnocentrista do capital o índio é um estorvo. Com diz Eduardo Viveiros de Castro, “índio não produz, vive”, logo quem não produz não tem lugar no sistema produtivista consumista, deve ser afastado, confinado e até mesmo eliminado.
O território para os Guarani reveste-se de sentidos e significados muito diferentes daqueles que motivam a ambição dos fazendeiros, com a expansão do agronegócio no Mato Grosso do Sul, projeto que segue o mesmo ritmo de outras regiões do Brasil. A truculência do fazendeiro, que por meio de seus jagunços age com extrema violência contra esses indígenas, é apenas a concretização mais vil da visão etnocêntrica de uma sociedade que pouco entende sobre o “outro”, denominado genericamente como índio. Cabe, aqui, destacar alguns pontos da forte ligação entre o guarani e o seu território e as consequências da expropriação dos mesmos.
Em geral, um guarani se refere ao seu território como “tekoha”. O significado desta expressão para essa etnia, de acordo com o pesquisador Bartomeu Melià, em entrevista à revista IHU On-Line – Os Guarani. Palavra e Caminho, está intrinsecamente presente na forma como se veem no mundo. A palavra “teko” significa o “modo de ser, o sistema, a cultura, a lei e os costumes”, assim, “tekoha” “é o lugar e o meio em que se dão as condições de possibilidade do modo de ser guarani”. Desta forma, há uma inseparabilidade entre a vida e o território que proporciona um sentido e direção, ou seja, não é possível para um guarani se imaginar fora da relação com um território.
Nota-se, por aí, que a noção de território para esses indígenas é envolvida por uma visão holística, muito distante das desencantadas relações capitalistas que envolvem os homens de negócios, que se apropriam da terra. Como Roberto Antonio Liebgott e Iara Tatiana Bonin analisam, uma vez que “os vínculos dos guarani com seu território são profundos e envolvem elementos materiais e espirituais”, não podem aceitar qualquer espaço como um “tekoha”. “Para os guarani, a vida, em toda a plenitude e potencialidade, só pode se concretizar em um tekoha – um espaço específico onde se pode viver ao estilo guarani. Portanto, o local precisa garantir as condições “para que se realize o modo de ser guarani, e ele deve apresentar uma série de características que envolvem aspectos ambientais, sociais e sobrenaturais”. Sendo assim, em geral, “um tekoha deve ter água e matas, campos, animais, ervas, espaço para plantar e cultivar alimentos (o milho, a mandioca, batata doce, amendoim, feijão, melancia, abóbora)”, dizem os indigenista na revista IHU On-Line dedicada aos guarani.
É sob esta construção da identidade dos povos guarani que é possível compreender a importância de garantir que acessem os seus territórios. Contextualizando o cenário de resistência dos Guarani-Kaiowá, no Estado do Mato Grosso do Sul, Tonico Benites destaca que “ao lutar pela recuperação dos territórios, já nas terras reocupadas/retomadas, os Guarani e Kaiowá demonstram e acionam claramente a sua especificidade e condição de pertencimentos aos territórios de origem”. Essas comunidades “foram expropriadas e expulsas de seus territórios antigos, sendo, na maioria dos casos, transferidas e confinadas nas Reservas Indígenas e/ou Postos Indígenas do Serviço de Proteção dos Índios (SPI)”. Certamente, este é um dos grandes dramas vivenciado pelos Guarani-Kaiowá, que permanecem sistematicamente sob a ameaça de um aniquilamento total.
Fazendo um balanço histórico, o indigenista Egon Heck destaca algumas fases do processo de expropriação das terras dos Guarani-Kaiowá. Primeiramente, salienta que muitos deles foram mortos na Guerra do Paraguai, no século XIX. Contudo, em seguida, a etnia conseguiu permanecer na floresta, já que o plantio de erva mate não prejudicava extensivamente o meio ambiente. Posteriormente, “de 1915 a 1928, o Serviço de Proteção ao Índio (SIP) demarcou oito pequenas áreas indígenas”, desta forma, “foi acontecendo um processo de implantação lenta da pecuária e de derrubada da mata para plantações de capim. Os índios foram, inclusive, utilizados nesse trabalho de desmatamento”. A tragédia mais brutal veio por meio do “plano do governo de Getúlio Vargas de ocupação da fronteira oeste através da colonização e da implantação massiva da agricultura”, pela qual “estabeleceu-se a colônia agrícola de Dourados, com mil famílias em mil lotes de 30 hectares. Isso afetou profundamente os índios, que tinham locomoção por toda a região e acabaram confinados em pequenas áreas”. Todo esse processo leva Heck a concluir que “as reservas são, na verdade, confinamentos de índios. São depósitos onde eles são colocados para serem disponibilizados como mão-de-obra agrícola”.
Em continuidade, nos anos 1980, “os índios iniciam um processo de retomada de suas terras tradicionais”, e nos anos 1990 promoveram mais de 10 marchas de retorno aos seus territórios, uma vez que “essas terras são inerentes à cultura dos Guarani-Kaiwoá, lá estão os seus antepassados”, sem contar que possuem o direito constitucional de viverem nelas. Infelizmente, diante da força dos fazendeiros, com seus jagunços, os que não se confinaram em pequenas áreas oferecidas pelo governo, tiveram que se contentar com as beiras de rodovia.
Para o historiador Antonio Brand, o “confinamento e a superpopulação no interior das reservas demarcadas reduziram o espaço disponível, provocando o esgotamento de recursos naturais importantes para a qualidade de vida numa aldeia kaiowá e guarani e dificultou a produção de alimentos. Transformou povos que, durante séculos, produziram alimentos não só suficientes, mas abundantes, como atesta a documentação histórica, dependentes do fornecimento de cestas básicas e de toda a sorte de ajudas externas”.
Assim, a situação de confinamento dos Guarani-Kaiwoá é considerada insustentável do ponto de vista de suas formas de organização social, política e cultural. Roberto Antonio Liebgott e Iara Tatiana Bonin ressaltam que “viver em pequenas porções de terra não é adequado a um povo para quem a terra é fonte de vida, é lugar onde se restabelecem elos entre eles e seus ancestrais, onde se celebra a vida, onde se cultiva a porção divina que vive em cada pessoa, e onde se organiza o viver”. Com o modo de ser guarani, “essa teimosia histórica em viver, em se movimentar num amplo espaço territorial, em proferir sua palavra”, pode-se “problematizar certas maneiras de pensar e de viver, nos questionando sobre a estrutura fundiária concentradora, injusta, violenta, as relações com o meio ambiente que se baseiam na lucratividade e não no equilíbrio”.
Além disso, como bem recorda o pesquisador Bartolomeu Melià, “falar de guarani se tornou quase sinônimo da busca da terra-sem-mal. Desse modo, uma experiência indígena se tornou exemplar e paradigmática para se pensar e trabalhar uma realidade mais ampla e geral, como é o projeto – a utopia – de uma sociedade mais solidária e humana”. Contudo, diante da evidência do genocídio desses índios, também é bom lembrar a ressalva de Melià: “Migrante e, portanto, frequentemente “trans-terrado”, o guarani, nunca antes havia sido tão des-terrado. Agora, em busca da terra-sem-mal, ele só teme o dia em que só haverá mal sem terra. Então, não haverá nem terra nem palavra”. Espera-se que ainda haja tempo e vontade política suficientes para erradicar todas essas atrocidades das quais já foram vítimas.
Guarani-Kaiowá enfrentam o agronegócio e o Estado
Contra os Guarani-Kaiowá não está apenas o agronegócio, está também a morosidade do Estado brasileiro e, sobretudo, do estado do Mato Grosso do Sul. É conhecida a postura anti-indígena do governador do Mato Grosso do Sul André Puccineli que já afirmou que o “MS não é terra de índio” e que deseja integrar os índios a partir do conceito de produção, para dar a eles a verdadeira independência. Recentemente o governador Puccinelli, zombou da ideia de que a terra, num estado como o Mato Grosso do Sul, cuja principal atividade econômica é a agricultura, poderia ser retirada das mãos dos produtores que cultivam a terra há décadas, para devolvê-las aos grupos indígenas.
Outro fato, que agrava sobremaneira a tensa conjuntura no Estado do Mato Grosso do Sul é o fato de que somente 30 a 40% dos agricultores possuem títulos legais no Estado, segundo levantamento do geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, da Universidade de São Paulo.
Ao mesmo tempo em que há um sentimento de insegurança, desconfiança e temor com a forma como se comporta o estado local, os indígenas sentem-se também desprotegidos pelo governo federal. Carta denúncia dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul, apresentada na Rio+20, denuncia que. “o Estado brasileiro é perverso, pois conhece as nossas necessidades territoriais, sabe que em nada dependemos destes territórios, que neles encontramos sentido de nossa existência e o futuro das crianças que nascerão amanhã. No entanto, o Estado que deveria nos proteger e constitucionalmente demarcar nossas terras, acabou por entregá-las aos fazendeiros, grileiros que hoje se passam por ‘bons’ proprietários, mas continuam a ameaçar e a assassinar lideranças, nos fazendo de escravos, derrubando as matas, matando os animais e poluindo os rios”.
Segundo a Constituição de 1988, o processo de demarcação das terras indígenas no país deveria ter sido terminado em 1993. Entretanto, as pressões políticas dos fazendeiros retardaram o processo no Mato Grosso do Sul. No final de 2007, a Funai assinou acordo com o Ministério Público Federal para apressar a demarcação e, em função disso, seis grupos de trabalho para identificação e delimitação de terras indígenas foram lançados em julho de 2008. O fato gerou forte reação dos fazendeiros do Estado e, desde 2009, uma série de episódios violentos passaram a acontecer na região.
“Os conflitos se devem, sem dúvida nenhuma, à lentidão inconcebível na demarcação das terras indígenas”, afirma o procurador da República em Ponta Porã, Thiago dos Santos Luz. A ausência da demarcação tem outras consequências. As áreas onde os índios estão concentrados viraram locais de confinamento cuja expectativa de vida é semelhante à dos países mais pobres do mundo, 45 anos.
De acordo com o antropólogo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Tonico Benites, cerca de 35 mil kaiowás-guarani vivem em 11 reservas com quase 33 mil hectares e outros dez mil sobrevivem em acampamentos na beira de estradas ou outros locais em litígio judicial. Para efeito de comparação, a reserva Raposa/Serra do Sol, demarcada em 2009, abriga 20 mil índios em 1,7 milhão de hectares.
“Essas reservas se transformaram em favelas, guetos”, afirma o antropólogo Spency Pimentel, da Universidade de São Paulo. A quantidade de terras reivindicadas pelos indígenas se aproxima de um milhão de hectares, cerca de 2,8% do território de Mato Grosso do Sul. Mas o pleito enfrenta resistência do governador, André Puccinelli (PMDB), e de fazendeiros da região.
Os fazendeiros são radicalmente contrários a qualquer demarcação. A Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso – FAMATO se pronunciou dizendo que caso as novas áreas indígenas sejam criadas ou ampliadas, 1,1 milhão de ha de áreas já consolidadas pela agropecuária deixarão de ser produtivas.
O discurso dominante propaga a ideia de que demarcações redundam “em muita terra para pouco índio”, mas não se dá conta de que com o agronegócio se tem “muita terra para pouco branco”.
Apenas a garantia de espaço e direitos à terra dos povos indígenas poderá reduzir o número de conflitos e tensões que desencadeiam os casos de violência. “É fundamental que o Estado brasileiro aceite e respeite a reivindicação indígena por demarcação de terras”, afirma a antropóloga Lúcia Helena Rangel.
Politizar a luta dos Guarani-Kaiowá
O sítio do IHU sistematicamente acompanha a luta dos povos Guarani-Kaiowá. Desde 2006 publica matérias, reportagens e entrevistas sobre o tema. Nesses anos todos reiteradas entrevistas com Antonio Brand e Egon Heck, entre outros pesquisadores e indigenistas que mais conhecem os Guarani-Kaiowá foram publicadas.
Ao longo desse doloroso acompanhamento do sofrimento a que é submetido esse povo, duas certezas calam fundo:
1ª – A responsabilidade pela indizível violência contra os Guarani-Kaiowá é do agronegócio e do latifúndio;
2ª – A inoperância do Estado brasileiro que subordinado aos interesses do agronegócio e das forças atrasadas – latifúndio – optou pela judicialização do conflito e não empenha energias em exigir a demarcação dos territórios já definidas pela Constituição de 1988.
A indignação que agora se assiste nas redes sociais – a palavra como arco e flecha – precisa se transformar em ação. Faz-se necessário que o governo aja com energia e trate a causa como prioridade. Não basta a ministra da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Maria do Rosário afirmar “lutaremos para agilizar o processo de estudos para demarcação desse território”; não basta o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, dizer que “já estamos concluindo os estudos fundiários e, em 30 dias, será formalizado o despacho de análise antropológica”. É muito pouco, é preciso uma estratégia ampla para demarcar os territórios indígenas. A ação do governo tem sido sempre reativa, é preciso que seja ativa.
Faz-se necessário ainda politizar a luta dos povos indígenas. O coerente apoio à luta dos Guarani-Kaiowá pede uma posicionamento crítico ao modelo em desenvolvimento em curso. A agressão sistemática contra os povos indígenas e até mesmo a tentativa de eliminá-los está relacionado ao modelo agrícola concentrador de terra e produtor de commodities voltado para o mercado internacional. Aqui reside a contradição.
O modelo econômico vigente estimula e favorece a plantation de commodities – soja, cana – e a commoditie pecuária – gado. Não basta o Estado brasileiro falar no respeito às minorias, nos direitos sociais, ambientais, culturais, mas ao mesmo tempo estimular o modelo econômico de commoditização da economia, via BNDES, com generosos subsídios para as monoculturas da soja e cana-de-açucar e para a pecuária sem exigir radicais contrapartidas e empenhar-se pela imediata demarcação dos territórios que se arrasta há décadas. Ao mesmo tempo, as alianças com os grupos políticos que apoiam a política de extermínio indígena é outro fator que retarda e impede mudanças.
O apoio à luta Guarani-Kaiowá pede uma leitura e um olhar crítico sobre o modelo econômico em curso. Essa luta se trava também no Palácio do Planalto.
(Ecodebate, 07/11/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
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