Política energética do País ignora energia solar – Para especialistas, planos do governo para próxima década desprezam crescente redução de custos e atenuam potencial dessa fonte de energia.
O planejamento energético do governo para a próxima década ignora a energia solar, segunda fonte que mais cresce no mundo, depois da eólica. No Plano Decenal de Expansão de Energia 2021, aprovado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), apenas três parágrafos (em 386 páginas) são dedicados à solar. A conclusão é de que “apesar do grande potencial, os custos atuais desta tecnologia são muito elevados e não permitem sua utilização em volume significativo”. Matéria em O Estado de S.Paulo, socializada pelo Jornal da Ciência / SBPC, JC e-mail 4619.
O curioso é que outro estudo encomendado pela mesma EPE e publicado em maio, Análise da Inserção da Geração Solar na Matriz Elétrica Brasileira, aponta possibilidades de incentivo e seus possíveis impactos. De acordo com a Nota Técnica, é necessário “estimular o desenvolvimento inicial de uma cadeia fotovoltaica para viabilizar uma redução mais significativa dos custos de produção”. “Isso permitiria também ao País participar em alguma etapa da cadeia de uma indústria de alto valor agregado no âmbito mundial”, conclui.
Como meio para se atingir esse objetivo, o documento sugere a contratação da geração fotovoltaica centralizada, de maior porte, por leilões específicos. No caso da chamada geração distribuída, com ligações residenciais, mostra que o custo já alcançou paridade com tarifas praticadas pelas concessionárias.
Para o engenheiro florestal Tasso Azevedo, a discussão atual sobre energia solar no País é muito parecida com a que ocorreu em relação à eólica no passado recente. “O governo resistiu muito. A presidente, enquanto ministra de Minas e Energia e depois da Casa Civil (no governo Lula), não acreditava em energia eólica e ponto final”, diz. “Com o tempo, ela tende a ser convencida pelos fatos, como ocorreu com a eólica, que está explodindo no País. O problema é que, com isso, a gente fica para trás.”
Para Azevedo, falta ousadia no planejamento. “Há uma confusão com a ideia de que ser conservador tem a ver com segurança.” O engenheiro lembra que o PNE 2030, planejamento energético de longo prazo, publicado em 2008, utilizou dados ultrapassados (de 2000), estimando que o custo de instalação competitivo de US$ 1 mil por Kw seria atingido somente após 2030. Por isso, não incluiu a solar. Hoje, o preço já está abaixo de US$ 1 mil. “É óbvio que temos uma série de desafios para a solar, e o principal deles é o custo de fazer ela concentrada, mas ninguém tem dúvida de que vai ser a mais importante.”
Ele critica o fato de o plano decenal não incluir dados para justificar sua posição, ao contrário do que ocorre em relação aos investimentos em hidrelétricas e termoelétricas. “O governo diz que vai usar a tecnologia quando se chegar ao preço que for conveniente, mas deveria ser o contrário: o que podemos fazer para acelerar.” Bazileu Margarido, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), lembra que a energia eólica nem aparecia no plano setorial finalizado há 3 anos. O argumento era o mesmo usado hoje para descartar a solar.
Enquanto isso, outros países faziam investimentos pesados. “No dia em que a nova tecnologia for acessível, vamos ser um país comprador.” Segundo ele, um modelo mais descentralizado, com consumidores que poderiam gerar a energia que consomem e obter créditos, contraria interesses.
O estudo da EPE mostra que o desenvolvimento da solar fotovoltaica ocorreu via incentivos no mundo todo, e que a tendência é que os custos continuem caindo e a fonte se torne competitiva sem a necessidade de incentivos.
Momento da energia eólica – O presidente da EPE, Mauricio Tolmasquim, diz que a abundância de fontes renováveis no Brasil é uma grande vantagem e que, por isso, o País tem condição de usar as mais baratas primeiro. “Agora é o momento da eólica. Amanhã vai ser o da solar. O preço vai cair e ela vai entrar, não tenho dúvida, mas vamos fazer no momento certo”, afirma. “É só uma questão de tempo.” Tolmasquim lembra que o preço dos painéis fotovoltaicos caiu mais de 50% desde 2006 e diz que hoje ainda não há como apostar nessa alternativa. Ele admite, no entanto, a possibilidade de rever o plano decenal se houver “queda mais expressiva” nos próximos cinco anos. “Hoje ela é quatro vezes mais cara que a eólica. Vamos esperar ficar mais competitiva. O Brasil tem essa possibilidade, que outros países não têm, de ter outras alternativas.”
O presidente da EPE rebate os críticos que classificam a política energética de conservadora afirmando que a eólica se desenvolveu graças a medidas do governo. “Tudo foi feito a seu tempo.” O Brasil está em 20.º no mundo em capacidade instalada e vai atingir a 10ª posição no ano que vem, diz ele. O objetivo é ampliar a capacidade de geração eólica no País em 12 mil MW até 2021, o que representaria um pulo de 1% para 9% da matriz.
Segundo a Agência Internacional de Energia, a capacidade instalada de geração solar mundial em 2010 era de quase 35 mil MW. Naquele ano, cerca de 90% da capacidade instalada em geração solar fotovoltaica se concentrava em apenas cinco países: Alemanha (50%), Itália (11%), Japão (10%), Espanha (10%) e Estados Unidos (7%). Dez anos antes, somente três países (EUA, Japão e Alemanha) tinham participação individual relevante na instalação desses sistemas. Em 2011, o mundo acrescentou 30 GW de potência solar instalada, atingindo quase 70 GW.
Segundo o engenheiro Tasso Azevedo, projeções indicam que a capacidade instalada de geração solar no mundo em 2016 deve ficar entre 207 e 342 GW. O estudo da EPE mostra que a Região Nordeste apresenta os maiores valores de irradiação solar global.
EcoDebate, 08/11/2012
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