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sexta-feira, 7 de julho de 2023

Aproveitamento Responsável dos Resíduos da Mineração de Quartzito

 

Vista de uma das pilhas de rejeito dispostas próxima à vegetação, ocorrendo em alguns pontos o carreamento de resíduos e danos ao aludido fragmento florestal. Fonte: DFISC/SM – Relatório Operação Poliedro.

 

A indústria da mineração exerce um papel fundamental no desenvolvimento econômico de muitos países, mas também enfrenta o desafio de lidar com os resíduos gerados durante suas operações. No contexto da mineração de quartzito, um material amplamente utilizado na construção civil, a quantidade de resíduos gerados é significativa. No entanto, avanços tecnológicos recentes estão abrindo caminhos para o aproveitamento desses resíduos, trazendo benefícios socioeconômicos e ambientais.

A mineração de quartzito é uma atividade que gera grandes volumes de resíduos, resultantes do processo de herança e beneficiamento desse material. Esses resíduos podem incluir partículas de quartzo, sílica, argila e outros minerais, que são descartados em pilhas de resíduos/rejeitos nas áreas de mineração. No entanto, pesquisas e inovações têm mostrado que esses resíduos podem ser transformados em recursos valiosos.

Uma técnica promissora para o aproveitamento dos resíduos da mineração de quartzito é a sua utilização na produção de materiais alternativos, como areia artificial, brita, blocos de concreto, argamassa e revestimentos. Por meio de processos de trituração, classificação e purificação, é possível transformar esses resíduos em produtos de qualidade, com características semelhantes às matérias-primas convencionais, porém com menor impacto ambiental.

Os benefícios socioeconômicos e ambientais do aproveitamento dos resíduos da mineração de quartzito são inúmeros. Em primeiro lugar, o uso desses materiais alternativos reduz a demanda por recursos naturais, como areia de rio e brita proveniente de pedreiras, contribuindo para a preservação desses recursos limitados. Além disso, a geração de empregos na produção de materiais alternativos promove o desenvolvimento local e a inclusão social.

Do ponto de vista ambiental, o aproveitamento dos resíduos da mineração de quartzito não apenas reduz a necessidade de criar novos locais para o descarte dos resíduos, evitando a ocupação de áreas e novos impactos ambientais, mas também preserva a fitofisionomia característica dos locais onde há a ocorrência do mineral, como o "campo de altitude" e o "campo serrado", inseridos dentro do bioma Mata Atlântica, como é o caso de Minas Gerais.

Um exemplo significativo é a região Sul de Minas Gerais, onde estima-se que cerca de 90% das exportações mineiras de quartzito foliado são provenientes do município e do arranjo produtivo local de São Thomé das Letras e arredores (Luminárias, Três Corações, Baependi, Caxambu, Cruzília, Carrancas e Conceição do Rio Verde). São Thomé das Letras, cuja exportação de produtos comerciais, em 2008, correspondeu a 25% da produção total comercializada no Estado, é onde ocorre a maior parte do processo minerário[1]. Nesse contexto, o município de Luminárias destaca-se como a segunda maior ocorrência de processos extrativistas dentro do arranjo produtivo de São Thomé das Letras.

Ao promover o aproveitamento dos resíduos da mineração de quartzito nessa região, não só é possível mitigar os impactos ambientais causados ​​pela atividade, mas também preservar a biodiversidade e as características únicas dos campos de altitude e campos serrados. Esses ecossistemas abrigam espécies vegetais e animais adaptados às condições específicas dessas áreas, que são de extrema sensibilidade.

No contexto do licenciamento ambiental das atividades de mineração de quartzito, a exigência por parte do órgão ambiental em relação ao aproveitamento dos resíduos pode ser uma medida eficaz para mitigar os efeitos gerados por essa indústria. Ao incluir diretrizes claras e estabelecer metas para o aproveitamento e reciclagem dos resíduos, o órgão ambiental pode incentivar as empresas a adotarem práticas mais sustentáveis, promovendo a gestão adequada dos resíduos e a redução do impacto ambiental da mineração.

É importante ressaltar que o aproveitamento dos resíduos não se restringe apenas à mineração de quartzito. A indústria mineradora como um todo enfrenta desafios semelhantes em relação à gestão de resíduos, e a aplicação de técnicas de aproveitamento pode ser uma solução para diversas atividades minerárias. Essa abordagem está alinhada com o ODS 12 (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável) da ONU[2], que trata da produção e consumo responsável, incentivando a redução, reutilização e reciclagem de resíduos como forma de promover um desenvolvimento mais sustentável.

O aproveitamento dos resíduos da mineração de quartzito emerge como uma prática de responsabilidade socioambiental para a indústria mineradora. A transformação desses resíduos em produtos úteis não apenas reduz a quantidade de material descartado, mas também traz consigo benefícios socioeconômicos e ambientais, como a geração de empregos e a preservação dos recursos naturais.

Além disso, é fundamental considerar a importância das políticas públicas no estímulo à adoção dessas práticas de aproveitamento de resíduos. A implementação de incentivos, como créditos e apoio financeiro, pode proteger as empresas a investirem em novas tecnologias e à terceiros empreenderem no setor. Paralelamente, é necessário que os órgãos reguladores estabeleçam metas e regras claras no contexto do licenciamento ambiental, garantindo a obrigatoriedade do aproveitamento dos resíduos e promovendo práticas mais sustentáveis na indústria mineradora.

Essas políticas públicas, aliadas às diretrizes estabelecidas pelos órgãos ambientais, podem promover a transformação do setor, tornando-o mais sustentável e com as metas de desenvolvimento sustentáveis ​​definidas pela ODS 12 da ONU.

Dessa forma, ao adotar o aproveitamento dos resíduos da mineração de quartzito e políticas públicas que incentivem e regulem essa prática, será possível seguir rumo a um modelo mais sustentável de mineração, mitigando os impactos ambientais, promovendo maior conservação dos ecossistemas e assegurando um futuro mais sustentável para todos.

 

Rodrigo Mesquita Costa é Advogado e Analista Ambiental do Instituto Estadual de Florestas – IEF/MG/Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SEMAD/MG. Artigo desenvolvido na disciplina de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Mestrado Profissional em Desenvolvimento Sustentável e Extensão da Universidade Federal de Lavras – UFLA, representando a opinião pessoal do autor.



[1] Fundação Estadual do Meio Ambiente – FEAM (Disponível em: http://www.feam.br/noticias/13-textoinformativo/1294-planos


[2] Nações Unidas Brasil – (Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Mundo bate recorde de produção de lixo eletrônico


quinta-feira, 25 de junho de 2020

É alto o risco de surgir uma nova pandemia a partir da Amazônia, avalia cientista



Carlos Nobre, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, afirma que desmatamento e perturbação da vida selvagem são alguns dos elementos que originaram o novo coronavírus

Por Renato Santana

Fogo, desmatamento, fragmentação florestal, perturbação da vida selvagem, aumento do fluxo de humanos (garimpeiros, madeireiros, desmatadores, etc) entre áreas perturbadas de floresta e concentrações urbanas são elementos que criam sérias condições para o surgimento de pandemias a partir da Amazônia.

“Os fatores de risco estão todos lá. Não ter surgido uma epidemia massiva na região da floresta até hoje é pura sorte”, avalia Carlos Nobre, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP). “A falta de fiscalização e de políticas públicas contribuem para o surgimento de doenças, pois favorecem a retirada de animais de seu habitat e o contato não planejado com humanos”, explica.

Desde que os primeiros casos do novo coronavírus começaram a surgir, muito tem se discutido sobre a origem da pandemia. Um estudo publicado na revista Nature Medicine aponta que são altas as probabilidades de que a doença tenha relação com a transmissão animal. Até o momento, suspeita-se que os primeiros casos na Ásia tenham sido transmitidos a partir de morcegos ou pangolins.

O consumo de carne silvestre é um hábito bastante presente também no Brasil. Estudo publicado na Revista de Ciências da Saúde na Amazônia apontou que, no município de Rio Branco (AC), 78% dos entrevistados disseram consumir este tipo de produto. “A paca (Cuniculus paca) e o tatu (Gênero Euphractus) são as espécies mais procuradas”, diz a pesquisa, segundo a qual “pratos preparados à base de carnes silvestres em restaurantes apresentaram uma aceitabilidade de 100%”.

E não é apenas no Acre. No estado do Amazonas, o consumo de tartarugas-da-amazônia tem colocado a espécies em situação de vulnerabilidade. A alta demanda pela carne desses animais estimula a caça e o tráfico ilegais, criando uma crise de saúde pública, uma vez que boa parte das vezes o produto não tem origem adequada.

“Estamos no século das zoonoses. A cada quatro meses, a ciência identifica um microrganismo, bactéria, vírus ou protozoário que vira patógeno no corpo humano. A maioria, felizmente, não se propaga. Mas outros têm grande capacidade de contágio, como o novo coronavírus”, explica Nobre.

Para Malu Nunes, mestre em Conservação da Natureza e Ciências Florestais e diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, é preciso garantir formas eficazes de proteger a floresta. “A sociedade como um todo precisa entender que a degradação e o tráfico de animais estão diretamente relacionados à propagação de doenças. É uma questão de saúde pública. Há bem pouco tempo, ninguém imaginaria a humanidade passando por uma pandemia tão grave e com consequências tão sérias. Se não houver meios que impeçam o desmatamento e outros problemas ambientais, será cada vez mais comum termos de lidar com este e outros tipos de consequências, igualmente perturbadores”, diz Malu.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 24/06/2020

terça-feira, 23 de junho de 2020

Commodities agrícolas foram as grandes responsáveis por incêndios na Amazônia, segundo estudo


Pesquisa aponta frigoríficos e produtores de soja com maior risco de serem associados a queimadas
Commodities agrícolas foram as grandes responsáveis por incêndios na Amazônia, segundo estudo que cruza dados da Nasa com cadeias de suprimentos das empresas

por Marcelo Coppola*

Em agosto do ano passado, imagens dos incêndios na Amazônia atraíram a atenção do mundo todo. Chefes de governo, organizações multilaterais, ambientalistas e celebridades manifestaram preocupação com o futuro da maior floresta tropical do planeta. “A Amazônia precisa ser protegida”, disse António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU). “Nossa guerra contra a natureza precisa acabar”, tuitou a ativista Greta Thunberg.

O tamanho real do desastre ambiental só foi conhecido em janeiro, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apresentou um balanço final dos incêndios que atingiram a floresta. Em 12 meses, ocorreram 89 mil focos de incêndio na região, um aumento de 30% em relação a 2018. Um crescimento preocupante, apesar de o número ter ficado abaixo da série histórica (109 mil).

No auge da crise, o presidente Jair Bolsonaro lançou suspeita sobre ONGs que atuam na região. E o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) culpou a temporada mais seca, quando, na verdade, choveu mais do que no ano anterior. Pesquisadores do bioma atribuem os incêndios, porém, a outros fatores.

A especulação fundiária é hoje um dos grandes vilões da floresta amazônica. Trata-se de um negócio de alta rentabilidade que envolve a invasão de terras públicas, a derrubada e retirada das árvores mais valiosas e depois, por meio de correntes presas a tratores, a derrubada da vegetação mais baixa. Passadas algumas semanas, período necessário para a secagem do material destruído, basta pôr fogo ao que antes era uma floresta. É hora então de espalhar as sementes para criar o pasto, à espera do comprador.

“É dinheiro fácil. O invasor de terra pública que gasta R?$ 1 mil para derrubar e colocar fogo em um hectare consegue vender o mesmo hectare por até R$ 2,7 mil”, afirma Raoni Rajão, pesquisador da Amazônia e professor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). As queimadas costumam ser feitas no período mais seco da Amazônia, entre julho e outubro.

A floresta não queima apenas por conta da grilagem de terras. Para ampliar o pasto, muitos produtores põem fogo em áreas contíguas às suas propriedades ou destroem a mata existente dentro de suas próprias fazendas. O Código Florestal estabelece que, nos imóveis localizados na Amazônia Legal, 80% da mata nativa deve ser preservada. Há ainda as queimadas feitas por agricultores, indígenas e povos tradicionais com o propósito de renovar o pasto ou a área de cultivo, uma prática que tem impacto bem menor sobre o bioma, mas que pode sair do controle e provocar destruição em grandes áreas.

Levantamento realizado pelo MapBiomas — iniciativa que reúne universidades, organizações sociais e empresas de tecnologia – revela a dimensão das práticas criminosas citadas acima. De acordo com o estudo, realizado a partir do cruzamento de imagens de satélites com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e outros bancos de dados oficiais, 99% do desmatamento realizado no Brasil no ano passado foi ilegal. Dos 12 mil quilômetros quadrados de vegetação nativa destruída, a maior parte está localizada no Cerrado e na Amazônia.

Pecuária e soja

Um estudo recente realizado pela Chain Reaction Research (CRR) [http://chainreactionresearch.com/wp-content/uploads/2020/05/Deforestation-driven-fires-in-Brazil-Indonesia.pdf] , uma coalizão de consultorias ambientais europeias e americanas, ajuda a entender um pouco mais os interesses por trás dos incêndios ocorridos no ano passado na Amazônia. Os pesquisadores cruzaram imagens dos incêndios, feitas por satélites da Nasa, com a localização dos maiores frigoríficos da região, como JBS e Marfrig, e grandes silos de soja, controlados por gigantes como Bunge e Cargill.

O sistema de monitoramento da agência espacial americana detectou 417 mil focos de fogo nas “zonas potenciais de compra” da JBS e da Marfrig de julho a outubro do ano passado, um número que representa 42% de todos os incêndios ocorridos no Brasil no período – foram 981 mil, segundo a Nasa. Os focos de incêndios no entorno das duas empresas representam quase a metade (47%) do total detectado (885 mil) nas proximidades dos dez maiores frigoríficos da região.

As zonas potenciais de compra dos matadouros foram estabelecidas pelo Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) em 2017, a partir de entrevistas feitas com 157 frigoríficos da Amazônia Legal. Entre outras informações, essas empresas revelaram a distância máxima que percorrem para comprar os animais para abate. Os frigoríficos maiores uma distância máxima de 360 km a partir de suas instalações. Os menores, que têm certificados para atuar apenas dentro do Estado, compram gado a uma distância máxima de 153 km.

No caso da soja, a Chain Reaction Research estabeleceu um raio de 25 km a partir dos silos das maiores empresas do setor como área de sua cadeia de suprimentos. O levantamento indicou que as queimadas ocorridas no entorno da Bunge e da Cargill (39,9 mil) superaram a soma dos focos de incêndio registrados nas proximidades dos outros oito maiores traders do setor.

O levantamento não faz nenhuma acusação a esses conglomerados. “O objetivo foi mostrar a ocorrência de uma enorme quantidade de incêndios nas proximidades dessas empresas, o que não implica o envolvimento direto delas com essas práticas. Mas faz com que tenham de resolver as suspeitas que recaem sobre sua cadeia de suprimentos”, diz Marco Túlio Garcia, pesquisador da Aidenviroment e um dos autores do estudo, que analisou também os incêndios na Indonésia, onde as suspeitas recaem sobre a produção de óleo de palma.

“O desmatamento na Amazônia, causa principal dos incêndios, traz riscos a essas empresas. Nos últimos anos, os grandes investidores internacionais colocaram essas questões no centro de sua pauta. Elas não estão mais restritas a debates entre ambientalistas”, completa Tim Steinweg, coordenador de pesquisa da Chain Reaction Research. Um exemplo dessa preocupação do mercado global foi dado em dezembro último pela Nestlé, quando suspendeu suas compras de soja da Cargill, por suspeita de que o produto tenha origem em áreas desmatadas da Amazônia.

Reportagem recente do jornal The Guardian revelou que bancos e outras instituições financeiras britânicas investiram nos últimos anos mais de US? 2 bilhões nas principais empresas brasileiras de carne que atuam na Amazônia. Por conta do desmatamento, estudam reconsiderar seu apoio se essas companhias não mostrarem progressos no rastreamento de seus fornecedores. Gigantes do setor de alimentos manifestam a mesma preocupação. Em dezembro, a Nestlé suspendeu suas compras de soja da Cargill, por suspeita de que o produto tenha origem em áreas desmatadas da floresta.

Estudiosos avaliam que o setor de pecuária traz hoje mais riscos para a Amazônia do que a indústria da soja, que hoje ameaça mais o Cerrado. A imagem dos produtores do grão melhorou a partir do pacto, batizado de “moratória da soja”, firmado em 2006 com entidades ambientalistas, pelo qual se comprometeram a não comprar a commodity de áreas desmatadas no bioma. O acordo contou depois com o apoio do governo federal.

O setor pecuário carrega irregularidades dos mais variados tipos. Entre elas, animais que nascem em áreas desmatadas, muitas vezes embargadas pelo Ibama, e que são vendidos para pequenos e médios produtores. Depois da engorda, são comprados legalmente pelos grandes frigoríficos. Os sistemas de controle não conseguem pegar o vício de origem. “É uma cadeia muito complexa. Não existe um sistema que permita rastrear cada animal desde o início, e os frigoríficos não parecem interessados em implantar um monitoramento desse tipo”, lamenta Ritaumaria Pereira, diretora executiva do Imazon. “Há um ditado na região que traduz essa triste realidade. Boi não morre de velho na Amazônia. Sempre vai ter alguém para comprá-lo, independentemente de onde venha”, afirma a engenheira agrônoma.

Menos floresta, menos chuva

Para muitos especialistas, falta visão estratégica ao governo brasileiro e aos produtores rurais em relação à Amazônia, o principal ativo ambiental do país. Paulo Moutinho, pesquisador sênior do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), lembra que a floresta funciona como uma espécie de bomba de vapor d’água que, transportado por meio dos chamados rios voadores, irriga o Centro-Oeste e o Centro-Sul do Brasil. A destruição coloca em risco esse sistema de irrigação. “Ao desmatar, é como se fizéssemos um furo nesse regador, que garante o sucesso de boa parte da produção agrícola brasileira.” De acordo com estudo da Agência Nacional de Águas (ANA) e do IBGE, 92,5% da água consumida pela agricultura brasileira vêm das chuvas. Apenas 7,5% são de sistemas de irrigação.

Os riscos à floresta amazônica são reais, de acordo os cientistas. O bioma já perdeu cerca de 17% (dados de 2017) de sua vegetação nativa. Se esse percentual superar 20%/25%, corre grande risco de entrar em um processo de savanização, segundo estudo publicado há dois anos pelo pesquisador brasileiro Carlos Nobre e pelo americano Thomas Lovejoy. Na década anterior, os mesmos pesquisadores falavam que o tipping point (ponto sem volta) aconteceria quando fossem atingidos os 40% de destruição. Refizeram os cálculos em razão da aliança mortal entre desmatamento, incêndios e mudança climática.

Especialistas ouvidos pela reportagem acreditam que não é preciso destruir nenhum hectare a mais para aumentar a produção agropecuária. Bastaria aproveitar os 12 milhões de hectares que foram desmatados e abandonados na Amazônia, áreas que poderiam ser recuperadas. “Você tem muitas áreas que estão abertas e, com incentivo adequado, poderiam ser exploradas”, afirma Paulo Moutinho, do IPAM. Ritaumaria Pereira, do Imazon, concorda: “Além da regeneração dessas áreas, precisamos de políticas públicas para incentivar o aumento da produtividade da pecuária, que hoje é muito baixa, cerca de um animal por hectare”.

O que dizem as empresas

Em nota, a JBS reclama do fato de não ter sido procurada pelos pesquisadores da Chain Reaction Research. A empresa questiona os critérios técnicos do estudo e diz adotar uma abordagem de tolerância zero em relação ao desmatamento em toda a sua cadeia de fornecimento. “Todos as fazendas fornecedoras de gado da JBS na região amazônica são monitoradas por meio de imagens de satélite e dados georreferenciados da propriedade. Portanto, fornecedores que utilizaram fogo para desmatar a floresta serão detectados pelo sistema de monitoramento da Companhia e bloqueados para compra de gado.”

A Marfrig afirmou que adota “uma rígida política de compra de animais, bem como um protocolo com critérios e procedimentos que são pré-requisitos para a homologação de fornecedores”. A empresa diz manter uma plataforma que monitora, por meio de um sistema de georreferenciamento e geomonitoramento socioambientais, todos os seus fornecedores. A ferramenta cruza os dados georreferenciados e documentos das fazendas com informações públicas oficiais para identificar potenciais não conformidades, “coibindo que a matéria-prima seja oriunda de fazendas que produzam carne em áreas de desmatamento ou embargadas, sobrepostas a unidades de conservação ou terras indígenas, ou mesmo que utilizem ‘trabalho escravo”’.

A Bunge disse que está comprometida com uma cadeia de suprimentos livre de desmatamento e que condena qualquer uso do fogo para o desflorestamento. “A empresa mantém rigoroso controle sobre critérios socioambientais em suas operações em todo o Brasil. As ações incluem verificações diárias às listas públicas de não conformidades do Ibama e do Ministério do Trabalho e Emprego, além da checagem de outros requisitos legais, e bloqueio imediato de qualquer negociação comercial, em caso de desconformidade”. De acordo com a nota, “a empresa também é signatária da Moratória da Soja, compromisso reconhecido mundialmente que proíbe a compra de soja cultivada em áreas desmatadas após 2008 na Amazônia, e do Protocolo Verde de Grãos do Pará, uma iniciativa conjunta com o Ministério Público Federal (MPF), que estabelece critérios para transações comerciais com foco em evitar a comercialização de grãos oriundos de áreas ilegalmente desmatadas”.

A Cargill afirmou que está comprometida com a proteção das florestas e da vegetação nativa de maneiras que sejam economicamente viáveis para os agricultores. “O desmatamento ilegal e incêndios deliberados na Amazônia são inaceitáveis e, juntamente com outras empresas do setor, continuaremos a fazer parcerias com comunidades locais, agricultores, governos, ONGs e nossos clientes para encontrarmos soluções que preservem esse importante ecossistema”, afirma a nota da Cargill. “Fazemos parte da Moratória da Soja na Amazônia desde 2006, quando assinamos um acordo voluntário com organizações industriais e ambientais de não comprar soja de terras que foram desmatadas após 2008 neste bioma. Esse esforço contribuiu para o declínio de 80% no desmatamento na Amazônia na última década e foi estendido indefinidamente em 2016.”

* Marcelo Coppola é jornalista e foi editor na revista Época. Trabalhou também no jornal Folha de S. Paulo e na revista Veja.

Colaboração de Clóvis Saint-Clair, Diálogo Brasil

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/06/2020