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segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Licenciamento ambiental: vamos matar a Geni?


Por Cristiano Vilardo e Rodrigo Medeiros* segunda-feira, 12 setembro 2016 18:40 


Proposta do senador Acir Gurgacz, a PEC 65 acaba com o licenciamento ambiental no país. Foto: Pedro França/Agência Senado.



Pra tudo que é projeto torto, no mangue e no cais do porto, ele já foi aplicado (e amaldiçoado). Infelizmente, os trinta anos de prática do licenciamento ambiental em nível federal não foram suficientes para que a sociedade compreendesse sua importância. Hoje, jogar pedra na Geni do licenciamento é conversa quebra-gelo em muitas reuniões de negócios e não são poucos os empresários que gostariam de se ver livres desse “fardo”. Dezenas de propostas legislativas tramitam hoje no Congresso Nacional com o objetivo de “agilizar” o licenciamento ambiental, em uma verdadeira blitz contra um dos instrumentos mais desenvolvidos da Política Nacional de Meio Ambiente (e implementado em mais de 100 países ao redor do mundo).

O licenciamento ambiental é apenas mais uma vítima da mentalidade imediatista que domina a política brasileira há 500 anos. Cobra-se do instrumento uma eficiência e uma excelência técnica completamente incompatíveis com a prioridade dada àqueles órgãos que são responsáveis pela sua implementação. Pagam por carroças e querem desempenho de Ferrari.

Não é, portanto, surpreendente que a narrativa predominante seja a do licenciamento como entrave ao desenvolvimento. Sob essa ótica, talvez o problema seja mais de comunicação do que de eficiência. Ao longo de todos esses anos, os órgãos ambientais estilo “carroça”, e mesmo o movimento ambientalista, não foram capazes de demonstrar para a sociedade os ganhos e benefícios que o licenciamento ambiental promove, apesar de seu custo financeiro e de tempo. Infelizmente, perdeu-se a oportunidade de demonstrar adequadamente os impactos evitados pelo processo de licenciamento, os cursos d’água que não foram poluídos, as árvores que não foram derrubadas, os animais que não perderam seus habitats. Histórias – muitas – que não foram contadas. Falharam em quantificar monetariamente os prejuízos evitados aos empreendedores e à coletividade quando impediram que empresas privatizassem os lucros e socializassem a poluição. Em muitos círculos sociais, a linguagem monetária é a única capaz de fazer o sujeito prestar atenção ao que dizemos.

Tudo isso nos trouxe à triste realidade de que em pleno 2016 ainda haja uma percepção distorcida do licenciamento como um procedimento cartorial, um toma-lá-dá-cá de documentos e “passa no próximo guichê pra retirar sua licença”. Apesar de tanto esforço, lutando contra a maré, não foi possível demonstrar didaticamente aos empresários que muito mais que um procedimento meramente burocrático, o licenciamento é um processo complexo de avaliação das possíveis consequências ambientais dos empreendimentos públicos e privados. Esse processo de avaliação possui um forte componente técnico – mas também reúne em sua natureza a tarefa de mediação social de valores, crenças e prioridades. E isso confere ao licenciamento ambiental a complexidade própria desse processo de mediação, impossível de ser “simplificada” por meio de uma solução tecnocrática qualquer. No licenciamento ambiental, o atalho é o caminho mais longo.

Resta uma curiosidade e uma tristeza.

A curiosidade é que temos uma das maiores comunidades de prática do mundo. Nossos analistas ambientais, consultores, gestores e gerentes de meio ambiente formam um robusto setor da economia, dedicado à nobre tarefa de avaliar previamente os impactos e riscos de projetos e iniciativas, de modo a evitar ou minimizar as consequências indesejáveis ao meio ambiente. Essa comunidade – que conta com uma imensa maioria de profissionais sérios, competentes e dedicados – se questionada sobre como aprimorar o licenciamento ambiental, provavelmente identificaria com grande convergência os principais elementos a serem trabalhados: aprimorar o planejamento setorial, ampliar e qualificar a capacidade institucional dedicada ao licenciamento ambiental, e radicalizar a transparência e a participação pública.


A tristeza é constatar que a vasta maioria das propostas de alteração legislativa do licenciamento ambiental não traz soluções para esses desafios amplamente reconhecidos – muito pelo contrário. O atual (e voraz) avanço congressista sobre o arcabouço legal do licenciamento está repleto de iniciativas viciadas em apenas um aspecto do problema – a redução dos prazos do licenciamento. As propostas trazem as mais diversas variações sobre o mesmo tema, a obsessão por encurtar o processo de avaliação de impacto ambiental, seja para compatibilizar os prazos das obras com os mandatos políticos, seja para maximizar a rentabilidade do projeto e o lucro para o empresário. Ninguém fala em melhorar a capacidade dos órgãos ambientais, como se a questão da eficiência fosse um problema da lei – e mudando-se a lei, voilá, teremos um licenciamento supereficiente. Quem sabe mudando o manual de instruções a carroça não corre feito uma Ferrari?

E eis que surge no Senado Federal, como símbolo máximo dessa obsessão pelo prazo, a PEC 65/2012. Sem precisar de subterfúgios adicionais, apresenta a solução perfeita para o problema dos prazos do licenciamento ambiental: basta o empreendedor apresentar o estudo de impacto ambiental para receber uma licença ambiental irrevogável. Sem análise técnica, sem participação pública, sem qualquer possibilidade de exercício de poder regulador. Como não pensamos nisso antes?

Fica no ar apenas uma pergunta: se matarmos a Geni, como faremos quando chegar o Zepelim?

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