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terça-feira, 12 de junho de 2012

Atitudes críticas e proativas face à Rio+20, artigo de Leonardo Boff



Creio que se impõem três atitudes que precisamos desenvolver face à da Rio+20.

A primeira é conscientizar os tomadores de decisões e toda a humanidade dos riscos a que estão submetidos o sistema-Terra, o sistema-vida e o sistema-civilização. As guerras atuais, o medo do terrorismo e a crise econômico-financeira no coração dos países centrais estão nos fazendo esquecer a urgência da crise ecológica generalizada. Os seres humanos e o mundo natural estão numa perigosa rota de colisão. De nada vale garantir um desenvolvimento sustentável e verde se não garantirmos primeiramente a sustentabilidade do planeta vivo e de nossa civilização. Esta conscientização deve ser feita em todos os níveis, da escola primária à universidade, da família à fábrica, do campo à cidade.

A segunda atitude tem a ver com um deslocamento e uma implicação que importa operar. Urge deslocar a discussão do tema do desenvolvimento para o tema da sustentabilidade. Se ficarmos no desenvolvimento nos enredamos nas malhas de sua lógica que é crescer mais e mais para oferecer mais e mais produtos de consumo para o enriquecimento de poucos à custa da super-exploração da natureza e da marginalização da maioria da humanidade. A pesquisa séria do Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica (ETH) de 2011 revelou a imensa concentração de riqueza e de poder em pouquíssimas mãos: são 737 corporações que controlam 80% do sistema corporativo mundial, sendo que um núcleo duro de 147 controla 40% de todas as corporações, a maioria financeiras. Junto com este poder econômico segue o poder político (influencia os rumos de um pais) e o poder ideológico (impõe idéias e comportamentos). A pegada ecológica da Terra revelou que esta já ultrapassou em 30% seus limites físicos. Forçá-los é obrigá-la a defender-se. E o faz com tsunamis, enchentes, secas, eventos extremos, terremotos e o aquecimento global. E também com as crises econômico-financeiras que se incluem no sistema-Terra viva. O tipo de desenvolvimento vigente é insustentável. Vãos são os adjetivos que lhe acrescentemos: humano, verde, responsável e outros. Levá-lo avante a qualquer custo, como ainda propõe o texto-base da ONU, nos aproxima do abismo sem retorno.

Deslocar-se para o tema da sustentabilidade significa criar mecanismos e iniciativas que garantam a vitalidade da Terra, a continuidade da vida, o atendimento das necessidades humanas das presentes e futuras gerações, de toda a comunidade de vida e a garantia de que podemos preservar nossa civilização. Essa compreensão de sustentabilidade é mais vasta do que aquela do desenvolvimento simples e duro.

Para alcançar tal propósito, se faz mister um novo olhar sobre a Terra, um re-encantamento do mundo e um novo sonho. Isto significa inaugurar um novo paradigma. Se antes, o paradigma era de conquista e de expansão, agora, devido aos altos riscos que corremos, deverá ser de cuidado e de responsabilidade global. Precisamos incorporar a visão da Carta da Terra que propõe tais atitudes no quadro de uma visão holística do universo e da Terra. Ela vê o nosso planeta como vivo, com uma comunidade de vida única. É fruto de um vasto processo de evolução que já dura 13,7 bilhões de anos. O ser humano comparece como expressão avançada de sua complexidade e interiorização. Este tem a missão de cuidar e de garantir a sustentabilidade da natureza e de seus seres.

Esta visão só será efetiva se for mais que um deslocamento de visões. A ciência não produz sabedoria mas só informações. Quer dizer, não oferece uma visão global e integradora da realidade interior e exterior (sabedoria) que motive para a transformação. Por isso deve vir acompanhada da implicação de uma emoção fundamental. Importa fazer uma leitura emocional dos dados científicos, porque é a emoção, a paixão, a razão sensível e cordial que nos moverão a ação. Não basta tomar conhecimento. Precisamos nos conscientizar, no sentido de Paulo Freire, nos munir de indignação e de compaixão e por mãos à obra.

Portanto, junto com a razão intelectual, indispensável, que predominou por séculos, cabe resgatar a razão sensível e emocional que fora colocada à margem. Ela é o nicho da ética e dos valores. Faz-nos sentir a dor da Terra, a paixão dos pobres e o apelo da consciência para superarmos estas situações com uma outra forma de produzir, de distribuir e de consumir.

A terceira atitude é de trabalho crítico e criativo dentro do sistema. Já se disse: os velhos deuses (a conquista e dominação) não acabam de morrer e os novos (cuidado e responsabilidade) não acabam de nascer. Somos obrigados a viver num entre-tempo: com um pé dentro do velho sistema, trabalhar e ganhar nossa vida no âmbito das possibilidades que nos são oferecidas; e com outro pé dentro do novo que está despontando por todos os lados e que assumimos como nosso. Há muitas iniciativas que podem ser implementadas e que apontam para o novo.

Fundamentalmente importa recompor o contrato natural. A Terra é nossa grande Mãe, como o aprovou a ONU a 22 de abril de 2009. Ela nos dá tudo o que precisamos para viver. A contrapartida de nossa parte seria o agradecimento na forma de cuidado, veneração e respeito. Hoje precisamos reaprender a respeitar o todo da Terra, os ecossistemas e cada ser da natureza, pois possuem valor intrínseco independentemente do uso que fizermos dele como o enfatiza a Carta da Terra. Essa atitude é quase inexistente nas práticas produtivas e nos comportamentos humanos. Mas podemos ressuscitar esse sentido de amor, de autolimitação de nossa voracidade e de respeito a tudo o que existe e vive. Ele diminuiria a agressão à natureza e faria de nossas atitudes mais eco-amigáveis.

Defender a dignidade e os direitos da Terra, os direitos da natureza, dos animais, da flora e da fauna, pois todos formamos a grande comunidade terrenal.

Apoiar o movimento internacional por um pacto social mundial ao redor daquilo que pode unir a todos, pois todos dependem dele: a água, com um bem comum natural, vital e insubstituível. Criar uma cultura da água, não desperdiçá-la (só 0,7% dela é acessível ao uso humano) e torná-la um direito inalienável para todos os seres humanos e para a comunidade de vida.

Reforçar a agroecologia, a agricultura familiar, a permacultura, as ecovilas, a micro e pequena empresa de alimentos, livres de pesticidas e de transgênicos.

Buscar de forma crescente energias alternativas às fósseis, como a hidrelétrica, a eólica, a solar, a de biomassa e outras.

Insistir no reconhecimento dos bens comuns da Terra e da humanidade. Entre esses se contam o ar, a atmosfera, a água, os rios, os oceanos os lagos, os aquíferos, a biodiversidade, as sementes, os parques naturais, as muitas línguas, as paisagens, a memória, o conhecimento, a internet, as informações genéticas e outros.

O mais importante de tudo, no entanto, é formar uma coalizão de forças com o maior número possível de grupos, movimentos, igrejas e instituições ao redor de valores e princípios coletivamente partilhados, como os expressos na Carta da Terra, nas Metas do Milênio, naDeclaração dos Direitos da Mãe Terra e no ideal do Bem Viver das culturas originárias das Américas.

Por fim, precisamos estar conscientes de que o tempo da abundância material acabou, feita à custa do desrespeito dos limites do planeta e na falta de solidariedade e de piedade para com as vítimas de um tipo de desenvolvimento predatório, individualista e hostil à vida. O crescimento econômico não pode ser um fim em si mesmo. Está serviço do pleno desenvolvimento do ser humano, de suas potencialidades intelectuais, morais e espirituais. Aeconomia verde inclusiva, a proposta brasileira para a Rio+20, não muda a natureza do desenvolvimento vigente porque não questiona a relação para com a natureza, o modo de produção, o nível de consumo dos cidadãos e as grandes desigualdades sociais. Um crescimento ilimitado não é suportado por um planeta limitado. Temos que mudar de rota, de mente e de coração. Caso contrário, o destino dos dinossauros poderá ser o nosso destino.

Finalmente, estimo que não estamos diante de uma tragédia anunciada. Mas diante de uma gravíssima e generalizada crise de civilização. Contém muitos riscos, mas, se quisermos, serão evitáveis. Pode significar a dor de parto de um novo paradigma e o sacrifício a ser pago para um salto de qualidade rumo a uma civilização mais reverente da Terra, mais respeitosa da vida, mais amiga dos seres humanos e mais irmanada com todos os demais seres da natureza.

Leonardo Boff é autor com Mark Hathaway, O Tao da Libertação, explorando a ecologia da transformação,Vozes 2012.

* Artigo originalmente publicado por Leonardo Boff em seu blogue pessoal.

EcoDebate, 12/06/2012

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Menina que ‘calou o mundo’ na Rio 92 volta como ativista para a Rio+20


Há 20 anos, a canadense Severn Cullis-Suzuki ficou conhecida como “a menina que silenciou o mundo por cinco minutos” por seu discurso feito para delegados e chefes de Estado na Rio 92. Aos 12 anos de idade, conseguiu emocionar os presentes no Riocentro com frases marcantes como “sou apenas uma criança e não tenho as soluções, mas quero que saibam que vocês também não têm”.

Já crescida, com 32 anos, mãe de dois filhos e pós-graduada em etnobotânica, Severn retorna ao Brasil para a Rio+20, e quer mais uma vez a atenção dos chefes de Estado para alertar que desde 1992, quase nada mudou.

Antes, na terça-feira (12), em preparação à cúpula da ONU, faz uma palestra na TedXRio+20, realizado no Forte de Copacabana, dentro do projeto Humanidade 2012.

Nas duas oportunidades, a ativista tentará alertar que o mundo não conseguiu superar seus problemas ecológicos existentes há duas décadas, já que os governantes “pensam apenas na incerteza econômica, não na ambiental”.

Em entrevista ao G1, ela afirma que a população ainda não percebeu o significado da crise ecológica e que “estamos vivendo um novo evento de extinção em massa no planeta”.

Sobre ao Brasil, Severn diz que o país tem, na Rio+20, a chance de assumir a liderança ambiental, mesmo, segundo ela, o governo tendo comprometido a Amazônia ao mudar o Código Florestal e autorizar as obras da hidrelétrica de Belo Monte, que considera uma “tragédia para o mundo”.

Discurso – Severn conta que seu discurso na Rio 92 ocorreu após convite das Nações Unidas, que tentava reajustar o cronograma das plenárias de chefes de Estado. Ela, que estava no Brasil junto com outros adolescentes da ONG Eco (Environmental Children’s Organization, fundada por Severn) foi escolhida para falar aos delegados e utilizou o período de cinco minutos para abordar questões importantes como o buraco na camada de ozônio e o impacto da mudança climática em seu país, o Canadá.

“Vi que muitas pessoas choraram após o discurso. Desde então, milhões de pessoas viram o vídeo [que está no YouTube e já teve mais de 23 milhões de acessos]. Ainda recebo correspondências sobre isso, mas 20 anos depois, o que mudou? Ainda procuro provas de que minhas palavras fizeram diferença”.

Severn afirma que nas duas décadas que se passaram, a comunicação e a velocidade da informação melhoraram devido à internet. Mas, na perspectiva ecológica, o mundo continua “em sérios apuros”. Para ela, “nosso estilo de vida está com prazo estourado e não seremos capazes de sustentá-lo, pois nossos ecossistemas estão no limite”.

Ela comenta que a mudança climática é um crime “intergeracional”, ou seja, que passará por várias gerações, e se diz envergonhada com a atitude do governo do Canadá ao se retirar do Protocolo de Kyoto, em dezembro de 2011, por não conseguir cumprir as metas de redução de gases de efeito estufa.

“Estou absolutamente envergonhada. Em 20 anos, meu país deixou de ser um campeão da sustentabilidade para se tornar um retardatário ambiental”.

Brasil e Rio+20 – Sobre a discussão ambiental no Brasil, Severn diz que empreendimentos como a usina hidrelétrica de Belo Monte, em construção no Rio Xingu, no Pará, só demonstram que o mundo não valoriza os serviços ambientais da Amazônia. Ela se diz desapontada com o andamento da construção e com mudanças recentes nalegislação ambiental (Código Florestal) que “irão comprometer a floresta devido ao aumento da exploração madeireira”.

“É o pulmão do mundo e devemos pagar para que a Amazônia permaneça intacta”.

Sobre a Rio+20, a canadense afirma que a conferência só conseguirá êxito se os governos deixarem de pensar nas crises econômicas e passarem a planejar uma forma de socorrer o meio ambiente nos mesmos métodos aplicados para socorrer bancos, com a injeção de dinheiro. “Devemos reduzir nossa pegada ecológica e começar a usar a nossa voz.”

Questionada sobre qual será o cenário do mundo daqui 20 anos, na Rio+40, Severn foi enfática: “verei isto a partir da próxima semana”. (Fonte: Eduardo Carvalho/ Globo Natureza)

O falso verde, artigo de Míriam Leitão



[O Globo] Em tempos de construção de imagem verde para o mundo ver, o governo tem dito que está incluindo o econômico na questão ambiental. Não é verdade. Se incluísse, determinaria às montadoras o desenvolvimento de motores mais eficientes ao usar o álcool; os bancos públicos fariam exigências de respeito às leis ambientais na concessão dos empréstimos; os impostos seriam reduzidos para produtos e energia de fato sustentáveis.

O governo prepara pacotes de estímulo ao crescimento como se não houvesse ligação entre o econômico e o ambiental. Tudo é tratado em compartimentos estanques, com uma visão fraturada da realidade. Os temas não cruzam a Esplanada dos Ministérios, com raras exceções. Há muito tempo as mudanças climáticas uniram questões que, por andarem separadas, criaram para a humanidade o problema que temos agora.

Foram concedidos sucessivos benefícios às montadoras. Tantos, tão frequentes e tão extravagantes, que até o governo começou a ficar incomodado. E nos últimos dias tem ameaçado as montadoras caso elas não se comportem adequadamente. Quando lista o que pretende fazer é de arrepiar: quer controlar remessas de lucros, vigiar preços, exigir das empresas a abertura de suas contas e estrutura de custos.

Empresas de capital fechado não são obrigadas a abrir contas e estruturas de custos, se o governo fizer isso será uma violência. País de economia de mercado não pode impedir uma empresa de remeter lucros e dividendos para a matriz. Vigiar preços é uma velharia sem tamanho.

A indústria do biocombustível recebe elogios externos, como no último relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), por ser um dos pontos positivos do Brasil na transição para uma economia de baixo carbono. Nós aqui dentro sabemos que o programa está com conhecidas dificuldades. Algumas delas criadas pelo governo, que através do sistema tributário e de subsídios beneficia o combustível fóssil, no sentido exatamente oposto ao que deveria fazer.

Para corrigir essa política estranha teria que retirar os incentivos à gasolina. Isso elevaria a inflação, o que atrapalharia os planos de derrubar mais os juros para incentivar à retomada econômica. Preso na armadilha que ele mesmo criou, o governo prepara um pacote para ajudar o etanol como forma de compensar o setor.

Se os preparadores de pacotes e levantadores do PIB tivessem alguma noção dos dilemas ambientais e climáticos nos quais o mundo está mergulhado teriam unido as duas pontas e fariam um pacote de socorro às montadoras com exigências de motores mais eficientes quando rodados com etanol. Isso aumentaria a eficiência do álcool e eliminaria a desvantagem do combustível. É tecnologicamente possível, economicamente coerente e ambientalmente desejável. Por que não acontece? Porque o pensamento econômico no governo é velho. Prefere as exigências descabidas dos anos 80.

A área econômica do governo poderia aproveitar a Rio + 20 e atualizar o seu pensamento. Se o fizer, entenderá que a questão ambiental não é um apêndice, mas a lógica da política. Pode-se aumentar o crescimento econômico, a oferta de emprego e o investimento através dos incentivos à redução das emissões dos gases de efeito estufa.

Quem não entender a crise climática que o mundo vive não entenderá a economia dos próximos anos e décadas. Ao contrário de alguns slogans e expressões que são moda passageira na vida empresarial, a exigência de “sustentabilidade” veio para ficar. A palavra tem sido mal usada e pela repetição vai perdendo a força. Mas o conceito que ela expressa permanecerá conosco.

Como a “Folha de S. Paulo” publicou na sexta-feira, o governo transferiu às empresas, em forma de subsídio ao crédito, quase R$ 30 bilhões em três anos. No ano passado o Tesouro pagou juros em média de 12,83% e emprestou a 6%. Essa diferença é custo direto. O governo nunca divulgou o preço da diferença de taxas, mas foi obrigado agora pelo TCU. E isso é só uma parcela do subsídio dado às empresas porque não incluem as capitalizações e renúncias fiscais. Imagina se pelo menos uma parte dessa Bolsa Empresa fosse concedida com exigências de eficiência de energia e contrapartidas ambientais?

Políticas tributárias e creditícias são armas poderosas para induzir a economia em determinada direção. O governo poderia pensar em medidas como redução do IPI de placas solares e componentes; redução do custo fiscal de turbinas eólicas; incentivos aos modais de transporte, urbano e de carga, de baixo carbono; estímulo à formação de clusters da economia verde; exigência de contrapartida ambientais. Tudo isso é política industrial; mas na direção certa.

Às vésperas da Rio + 20, a área econômica avisa que vai beneficiar empresas verdes. Fez o oposto nos últimos anos: apostou em campeões nacionais sem ver a cor de suas práticas; concedeu empréstimo barato para termelétrica a carvão; subsidiou empresas que descumpriram legislação ambiental; deu estímulos para indústria de alto carbono e subsidiou o uso de combustível fóssil. O governo não deveria improvisar nesse tema. Quem entende do assunto não confunde maquiagem verde com transição para a economia de baixo carbono.

Artigo originalmente publicado na coluna de Míriam Leitão, em O Globo, e socializado peloClippingMP.

EcoDebate, 11/06/2012

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Decisão impede que mineradoras destruam cavernas em Minas Gerais


Decisões da Justiça resultaram de atuação conjunta dos MPs Federal e estadual

O Ministério Público Federal (MPF), em atuação conjunta com o MP Estadual de Minas Gerais (MPMG), obteve duas medidas cautelares para a proteção de importantes bens do patrimônio espeleológico nacional.

As decisões foram proferidas pelo juiz da 20ª Vara Federal incidentalmente à Ação Civil Pública nº 37381-40.2011.4.01.3800 ajuizada no ano passado. O mesmo juiz havia negado anteriormente a concessão da tutela requerida pelos autores, sob o fundamento da inexistência de fato específico que demonstrasse a urgência da medida. Desta vez, diante da reiteração do pedido em face de duas situações concretas, o magistrado atendeu os requerimentos e proibiu o Estado de Minas Gerais de conceder qualquer licença ou autorização ambiental relacionada às áreas onde estão localizadas duas cavidades naturais subterrâneas, nos Municípios de Itabirito e Conceição do Mato Dentro. Na prática, as decisões impedem a destruição das cavernas por atividades de mineração.

Em Itabirito, a empresa Gerdau Açominas havia obtido autorização da Supram Central Metropolitana para decidir o raio de proteção da caverna VL-47, situada na área do empreendimento. “Ou seja, o órgão ambiental delegou ao próprio empreendedor, interessado na exploração do minério, a definição do raio de proteção da cavidade. Obviamente, a empresa disse que a VL-47 não tinha qualquer relevância e pretendia reduzir de 250 para apenas 48 metros seu raio de proteção”, relata a procuradora da República Mirian Moreira Lima.

No outro caso, a caverna sob ameaça está localizada na área de implantação do Mineroduto Minas-Rio, em Conceição do Mato Dentro. A empresa Anglo Ferrous requereu ao Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais (COPAM) a redução do Raio da Cavidade CAI03 de 250 para 100 metros. Essa caverna, considerada de alta relevância e de rara beleza, possui 396 metros quadrados e está situada em área coberta por Mata Atlântica e de ocorrência do lobo-guará e do gato do mato pequeno, espécies consideradas em extinção. “Ou seja, além do risco de dano ao patrimônio espeleológico, a diminuição do raio de proteção implica também no dano ambiental decorrente da supressão de Mata Atlântica”, lembra a procuradora.

Em ambos os casos, não foram realizados estudos específicos para determinar as características e relevância das cavidades, porque o Estado de Minas Gerais não dispõe, nos quadros de suas Superintendências Regionais de Regularização Ambiental (SUPRAMs), de técnicos com formação e conhecimento na área de espeleologia. Com isso, segundo os MPs, “a atuação estatal não passa de mero procedimento burocrático, sem o condão de analisar de maneira adequada os estudos técnicos apresentados pelos empreendedores”.

Apesar disso, “as SUPRAMs estão se manifestando sobre intervenções altamente lesivas ao patrimônio espeleológico de Minas Gerais e prometendo autorizações para supressão de cavidades naturais subterrâneas, sem a necessária anuência dos órgãos federais competentes”.

Para o juiz, a existência de “incertezas técnicas” acerca da relevância das cavidades exige a aplicação do Princípio da Precaução para se “proteger o meio ambiente como um todo, inclusive o histórico e cultural”.

Ele determinou que as licenças somente poderão ser concedidas após a devida avaliação da cavidade por profissional especializado. E, se demonstrado que o estado não possa fazê-lo, o Ibama deverá assumir os trabalhos, em caráter subsidiário.

Riqueza em risco – Em Minas Gerais, existem atualmente 2.284 sítios espeleológicos cadastrados, o que corresponde a aproximadamente 1/3 do total brasileiro.

Esse patrimônio, constituído pelo conjunto de ocorrências geológicas que formam as cavidades naturais no solo conhecidas como grutas, cavernas e lapas, é considerado bem da União e mereceu proteção especial pela própria Constituição de 1988.

A importância do patrimônio espeleológico está relacionada à preservação do meio ambiente natural e cultural. As cavernas, por exemplo, exercem importante papel no armazenamento estratégico de água, com a carga e recarga dos aquíferos. Elas também protegem e conservam minerais raros, formações geológicas e informações sobre antigas formas de vida, além de constituírem eficiente abrigo para a conservação de habitats de espécies da fauna e flora endêmicas e ameaçadas de extinção.

Os MPs federal e estadual consideram completamente ilógico e juridicamente errôneo que os Estados possam definir o destino de bens ambientais de propriedade da União – inclusive sua própria destruição – sem a anuência dos órgãos federais responsáveis, no caso, o Ibama, e quando esses bens estiverem localizados em unidades de conservação federais, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). “Deixar que os Estados definam o destino de bens de propriedade da União viola o princípio da indisponibilidade do interesse público federal e aniquila o poder de administração e fiscalização dos órgãos competentes”, dizem.

Eles defendem ainda que “entender que bens ambientais e culturais pertencentes à União podem sofrer intervenções danosas sem qualquer manifestação de órgãos federais, além de ofender até mesmo o bom senso jurídico, é, na prática, colocar o patrimônio espeleológico como o bem federal mais insignificante e desprotegido do ordenamento jurídico brasileiro”.

Fonte: Ministério Público Federal em Minas Gerais

EcoDebate, 04/06/2012