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quinta-feira, 5 de julho de 2018

Brasil será ‘paraíso dos agrotóxicos’, diz pesquisador da Fiocruz


Para Fernando Carneiro, da Fiocruz, deixar o registro de novos produtos a cargo de Ministério da Agricultura, como prevê projeto de lei, representa perigo para a população brasileira

Por Anna Beatriz Anjos, da Agência Pública


Cerca de 30% dos alimentos no país já estão fora do padrão de segurança
Pesticidas podem diminuir QI das crianças e provocar vários tipos de câncer
Riscos se agravam pela falta de capacidade do Estado de monitorar o uso

Na última segunda-feira (25), a comissão especial criada na Câmara dos Deputados para discutir o projeto de lei 6.299/2002, que propõe alterações na atual legislação de agrotóxicos, aprovou texto que divide opiniões. De um lado, empresários do agronegócio comemoram o parecer do relator Luiz Nishimori (PR-PR) sob o argumento de que moderniza a aprovação e regulação dos pesticidas. Do outro, organizações de promoção à saúde coletiva e defesa do meio ambiente afirmam que o relatório flexibiliza significativamente o processo, o que representa riscos não só aos trabalhadores do campo, mas também aos consumidores dos alimentos expostos aos agrotóxicos.

O pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Ceará Fernando Carneiro engrossa o coro do segundo grupo. Integrante do Grupo Temático Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e coordenador do Observatório da Saúde das Populações do Campo, da Floresta e das Águas (OBTEIA), ele garante que as mudanças na lei significam um “retrocesso gigantesco”.

Para Carneiro, um dos pontos mais críticos trazidos pelo texto – que agora vai a plenário – é a centralização das avaliações de novos produtos e autorização de registros no Ministério da Agricultura, em detrimento da estrutura tripartite de regulação – a lei em vigor determina que os ministérios da Saúde e Meio Ambiente também atuem nas análises. “O processo fica concentrado em um órgão totalmente dominado pelo agronegócio, então o risco é de realmente haver a aprovação de substâncias que possam causar todo tipo de problema”, declara.

Por que o senhor considera que o PL 6.299/2002 represente um retrocesso?

Há 60 anos, Rachel Carson, bióloga norte-americana, escreveu “A primavera silenciosa”, um clássico da literatura ambientalista, que marca o movimento ambiental mundial e ficou muitos meses entre os livros mais vendidos dos Estados Unidos. Teve uma repercussão tão grande que o governo americano criou uma comissão de cientistas comprovando tudo o que ela havia pesquisado, o que gerou, inclusive, a criação da agência de proteção ambiental nos Estados Unidos. Nós, em 2015, publicamos o dossiê Abrasco, com quase 700 páginas e mais de 60 autores colocando isso. Só que o que a gente vê hoje com esse PL é que, em vez de fazermos um movimento para cuidar da saúde da população e do meio ambiente, estamos vendo exatamente o contrário. O PL é a liberalização, o desmonte do aparato regulatório brasileiro do registro de agrotóxicos, com a perspectiva de permitir, inclusive, que substâncias muito mais danosas à saúde adentrem nosso mercado. Estamos assistindo a um retrocesso gigantesco. Era para estarmos diminuindo, mas estamos potencializando o uso.

Quais riscos – sociais, ambientais e para a saúde pública – essa proposta representa?

Vai ter um impacto direto na saúde do trabalhador, do consumidor brasileiro, da população. Você de repente concentra [o processo de avaliação e aprovação dos agrotóxicos] na agricultura, tirando o papel da saúde e do meio ambiente de olhar a questão por seus ângulos – a saúde pela Toxicologia e o meio ambiente pela Ecotoxicologia. O processo fica concentrado em um órgão totalmente dominado pelo agronegócio, então o risco é de realmente haver a aprovação de substâncias que possam causar todo tipo de problema, tanto de saúde quanto de contaminação do ambiente, o que representa um risco à vida como um todo. Os danos causados pelos agrotóxicos são de várias ordens. Isso que querem chamar de defensivo é um veneno, causa efeitos imediatos e crônicos, desde câncer e até diminuição de QI em crianças. Isso para não falar nos impactos na cadeia alimentar, na nossa fauna. É muito grave o que está acontecendo.

O uso de agrotóxicos ainda parece um tema distante na realidade urbana – não são todos os consumidores que se preocupam com isso quando vão ao mercado, por exemplo. Quais os riscos à saúde desse consumidor final?

Para fazer estudos de seguimento e analisar essas questões, pode-se levar 20, 30 anos. São estudos caros e complexos; há a carga hereditária e a carga ambiental de doenças, é necessário que os estudos controlem esses fatores. Mas isso não tem sido prioridade na ciência brasileira. O agronegócio capitaliza o lucro e socializa o prejuízo: analisar uma amostra de agrotóxico no ambiente pode custar mil reais, e poucos laboratórios fazem isso no Brasil.

Estamos liberando uma substância que não temos a capacidade de monitorar e vigiar. É caro e o ônus fica para o setor público – o ônus da pesquisa, da vigilância –, enquanto eles capitalizam em cima disso – e a maior parte dos agrotóxicos no Brasil nem paga imposto, em vários estados eles têm 100% de isenção. O que já se fez nesse sentido foi por meio da Anvisa, através do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos [PARA]. A série histórica que apresentamos no dossiê da Abrasco [com base em dados da Anvisa] dos últimos dez anos mostra que 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros têm resíduos de agrotóxicos e 30% estão irregulares.

Então, pelo menos, um terço do que a gente come está fora do padrão, ou seja, tem potencial de dano. Recentemente eles mudaram para essa metodologia de avaliação de riscos e, de um ano para o outro, de repente, esses 30% viraram 1%. A substância é carcinogênica, mas na avaliação de risco, que o PL quer implantar, você tem premissas. Quais são elas? A pessoa vai estar com luva e com máscara. Estando com isso, o risco é aceitável. Agora, vamos olhar para a realidade do Brasil. Como é possível aceitarmos premissas desse tipo sendo que o trabalhador não usa [as proteções], é caro, o patrão não paga o equipamento, que também não é adequado à nossa realidade, é quente. A premissa da avaliação de risco é que tudo isso está funcionando muito bem, cabe tudo no modelo teórico. Esse é o cavalo de troia desse projeto de lei: mudar de avaliação de perigo para avaliação de risco. Para Fernando Carneiro, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Ceará, um dos pontos mais críticos trazidos pelo texto é a centralização das avaliações de novos produtos e autorização de registros no Ministério da Agricultura. Foto: Abrasco

Outra questão apontada como delicada pelos críticos do projeto é a criação do registro temporário para produtos que já sejam registrados em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e que obedeçam ao código da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Você pensa da mesma forma?

Estão dizendo que existe uma tal burocracia, que leva-se até oito anos para obter o registro de um agrotóxico no Brasil, mas isso é fake news porque compara a estrutura de países como Brasil e Estados Unidos. Na Anvisa há 20 ou 30 técnicos para analisar os pedidos de [registro] de agrotóxicos, na FDA [Food and Drugs Administration], a similar norte-americana, são 700. Aqui uma empresa paga poucos mil reais para fazer o processo de registro, nos Estados Unidos pode chegar a um milhão. A fila aqui é grande porque não se investe na capacidade de órgãos reguladores e porque é barato registrar, sendo que o registro é eterno – para você tirar um produto de circulação, tem que fazer uma reavaliação a partir de denúncia etc. O registro temporário é para forçar a barra e, em vez de investir na capacidade de análise dos órgãos – fazendo concurso, pagando equipe –, colocar uma faca no pescoço do órgão e dizer “se você não liberar o pedido em dois anos, o produto entra no mercado”. Eles falam dos problemas, mas o PL não é solução para nenhum deles. Ele está longe de resolver o problema da população, só resolve o problema das empresas. Vai virar o paraíso dos agrotóxicos, porque já é barato e eterno, vai poder tudo.

Ao discutir a flexibilização da legislação de agrotóxicos, o Brasil segue uma tendência mundial ou vai na contramão dos países mais desenvolvidos?

Vai totalmente na contramão. Na Europa, foram colocadas mais restrições [ao uso de agrotóxicos]; a própria China, que tem um modelo selvagem de desenvolvimento, tem feito ações desse tipo. O Brasil está na contramão da história mundial. Lembra um pouco a década de 80, na época de Cubatão, em que os militares diziam “poluição, venha a nós, poluição é desenvolvimento”. Está muito parecido.

Em contraposição ao PL 6.299/2002, seus críticos defendem a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA), transformado em projeto de lei que tramita na Câmara. É possível reduzir o uso de agrotóxicos sem repensar o modelo de produção agropecuário que hoje vigora no Brasil?

O Brasil adotou um modelo que chamamos de neoextrativismo. Basicamente, nas últimas décadas nos desindustrializamos e a economia foi puxada pela exportação de bens primários, tanto agrícolas como minerais. Houve o tempo da bonança, mas depois, com a crise e a queda dos preços, esse modelo entrou em colapso. O agrotóxico simboliza o modelo capitalista selvagem. Um modelo que distribua renda e preserve os ecossistemas, acho que seria possível apenas com a aplicação plena da agroecologia.

Recentemente estive no Encontro Nacional de Agroecologia, o ENA, em Belo Horizonte, onde mais de 70% [do público] era de agricultoras e agricultores. Eles contam que começam a fazer a transição agroecológica, aí vem o vizinho com o avião, [pulveriza] o agrotóxico e as pragas fogem para onde? Para as áreas onde não há veneno. Isso causa um problema. Outra situação: escutei vários agricultores que têm caixas de abelhas, aí vem o avião e mata tudo. Vem a deriva [produzida quando o agrotóxico ultrapassa os limites da área que se pretende atingir], vai para a propriedade vizinha e dizima as abelhas.

Há também casos de aviões sendo utilizados como forma de expulsar indígenas de suas terras, usados como arma de guerra. O PNARA surge quase como uma transição: vamos pelo menos reduzir o uso de agrotóxicos e trabalhar para fortalecer a agroecologia, porque é muito desigual o apoio de um modelo em relação ao outro. Quando se definiu que 30% da merenda escolar tem que ser proveniente de agricultura familiar, preferencialmente agroecológica, foi uma canetada que ajudou a desenvolver a agroecologia em todo país. Uma simples medida como essa.

É possível criar formas de promover um modelo em relação ao outro, pois historicamente a gente vê o contrário. O agricultor que quer plantar sem veneno tem até hoje dificuldade de conseguir empréstimo no banco, porque se exige a nota fiscal fiscal do veneno, do adubo químico. É muito difícil convencer o gerente que não é necessário gastar com isso, que é possível gastar com outras coisas.

*A Agência Pública é uma organização sem fins lucrativos.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 05/07/2018

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Nosso planeta está se afogando em plásticos



Foto: UNEP


Fatos Importantes:

• Somente este ano, os fabricantes globais produzirão aproximadamente 360 milhões de toneladas.

• Nos próximos 10 a 15 anos, a produção global de plástico deverá quase duplicar.

• A produção está prevista para atingir 500 milhões de toneladas até 2025 e um escalonamento de 619 milhões de toneladas até 2030.

• Evitar o pior desses resultados requer um repensar completo da maneira como produzimos, usamos e gerenciamos o plástico.

• Os plásticos de uso único mais comuns encontrados no ambiente são, em ordem de grandeza, pontas de cigarro, garrafas plásticas de bebidas, tampinhas plásticas, embalagens de alimentos, sacolas de plástico, tampas plásticas, palhetas e agitadores, garrafas de bebida de vidro, outros sacos plásticos. e recipientes de espuma para viagem. .

• A Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico (Apec) estima em 1,3 bilhão de dólares o impacto econômico dos plásticos marinhos para as indústrias de turismo, pesca e transporte naquela região.

• Somente na Europa, os custos estimados para limpeza de praias e praias chegam a 630 milhões de euros por ano (Comissão Europeia, 2015), e estudos sugerem que o prejuízo econômico anual do plástico ao ecossistema marinho mundial é de pelo menos 13 bilhões de dólares (UNEP, 2014 )

• Dos 24 países africanos que introduziram proibições nacionais de sacolas plásticas, mais da metade (58%) foi implementada entre 2014-2017
Números:

• Até 5 trilhões de sacos de plástico são usados a cada ano

• 13 milhões de toneladas de vazamento de plástico no oceano a cada ano

• 17 milhões de barris de óleo usados na produção de plástico a cada ano

• 1 milhão de garrafas plásticas compradas a cada minuto

• 100.000 animais marinhos mortos por plásticos a cada ano

• 100 anos para plástico se degradar no meio ambiente

• 90% de água engarrafada contendo partículas de plástico

• 83% da água da torneira contém partículas de plástico

• 50% dos plásticos de consumo são de uso único

• 10% de todos os resíduos gerados por seres humanos são de plástico

Fonte: United Nations Environment Programme



in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 06/06/2018

sexta-feira, 20 de abril de 2018

45% das barragens no Brasil funcionam de forma irregular e sem autorização


Foto: EBC ABr

Pelo menos 45% das barragens no Brasil funcionam de forma irregular e sem autorização, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA). São 10.330 barragens sem concessão ou licença de um total de 22.920, o que dificulta a fiscalização e o monitoramento. O assunto foi debatido na quarta-feira (18), em Brasília, durante o seminário Política Nacional de Segurança de Barragens: Experiências na Implementação e Identificação de Melhorias, que prossegue até amanhã no Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.

De acordo com o técnico em recursos hídricos da ANA, Alexandre Anderaos, muitas barragens não são regularizadas porque foram construídas antes da criação da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), estabelecida pela lei 12.334/2010, que passou a exigir a autorização.

“Hoje, para construir uma barragem é preciso outorga. Se a barragem está regularizada, significa que tem um empreendedor identificado, que tem dados básicos registrados. É uma segurança a mais. Há muitas barragens das quais sequer se conhece o dono”, afirmou. Segundo o especialista, a ANA atua junto aos gestores para estimular a regularização dessas construções.

A falta de regularização impacta também na coleta de dados. No relatório de segurança de barragens (RSB), publicado há dois anos, 96% das barragens não tinham a altura da fundação informada, 68% não tinham a autorização, 45% não informaram o volume, 6% não informaram o uso principal, 3,5% não informaram as coordenadas e 42% sequer informaram o nome.

Os dados são obrigatórios para que as construções integrem o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB). A falta deles faz com que o sistema, que é disponibilizado online para consulta da população, fique defasado.

Cenário

Em 2015, o rompimento da barragem de Fundão, no subdistrito de Bento Rodrigues, a 35 km do centro do município brasileiro de Mariana, reacendeu a discussão sobre segurança. Na época, mais de 1 mil pessoas foram atingidas, sendo que 19 morreram no desastre.

O Brasil tem atualmente 22.920 barragens, incluídos os diversos tipos. A ANA estima que haja mais barragens que não constam em registros oficiais. Cerca de 700 delas oferecem maiores riscos nos casos de rompimento, e necessitam de plano de ação de emergência (PAE).

Para o professor da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) Carlos Barreira Martinez, chefe do Laboratório Thermo – Hydroelectro da instituição, que participa do seminário, os custos de manutenção e fiscalização devem ser incorporados aos da barragem. “Não basta construir uma estrutura e achar que ela vai sobreviver ao longo do tempo sem ter o tratamento devido, pois precisa de manutenção”, disse.

O seminário foi organizado para que o Conselho Nacional de Recursos Hídricos possa conhecer os principais agentes envolvidos na temática. O grupo de trabalho Segurança de Barragens da Câmara Técnica de Análise de Projetos é responsável por apontar o que deve ser considerado para revisão das normas referentes à lei 12.334/2010.

A coordenadora Cristiane Collet Battiston informou que o objetivo é analisar a lei. Segundo ela, mudanças na legislação só serão sugeridas se for extremamente necessário. “A lei é recente e temos consciência de que não é para sair mudando tudo. O momento é de avaliação”, afirmou.



Por Mariana Tokarnia, da Agência Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/04/2018

Falta de debate e participação social marcam novo projeto de licenciamento ambiental brasileiro









A ARTIGO 19 entregou na quarta-feira(18) uma carta ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na qual cobra a realização de audiências públicas para discutir o teor do projeto de lei (PL) 3.729/2004, que pretende mudar as regras do licenciamento ambiental no Brasil.

No documento, a ARTIGO 19 afirma que a falta de espaços para se debater o projeto “é inaceitável diante da complexidade da proposta e do fato de se tratar de pauta sensível à sociedade brasileira, na medida em que implica inúmeros impactos em diversas áreas de interesse público”.

A entidade lembra ainda que o PL “prevê níveis insuficientes de abertura à participação pública nos procedimentos que estabelece” e “trata com desequilíbrio a participação dos diferentes atores no processo decisório, valorizando o papel de empreendedores em detrimento da participação das populações afetadas”.

A Constituição Federal também é citada em seu artigo 225, o qual “consagra o dever público e coletivo de proteção ambiental”. A norma aponta a necessidade de participação na formulação de políticas que tenham impacto em questões relativas ao meio ambiente, e que devem haver espaços para que a sociedade civil possa ter voz ativa nos processos, como consultas e audiências públicas.

Por fim, a carta da ARTIGO 19 pede ainda que Rodrigo Maia suspenda o andamento do PL na Câmara até que as audiências públicas sejam efetivamente realizadas.

É importante destacar que as alterações na legislação ambiental em diversas frentes brasileira se inserem em um contexto já bastante defasado no que diz respeito à falta de participação social e transparência em projetos de impacto socioambiental. E isso está diretamente relacionado com as graves violações que marcam o campo, como os assassinatos de trabalhadores rurais e indígenas, a remoção de comunidades, a destruição da flora, os danos ao modo de vida de populações tradicionais, entre outros.

Leia o texto da carta na íntegra abaixo:
EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, RODRIGO MAIA

São Paulo, 18 de abril de 2018,

A ARTIGO 19 vem por meio desta carta demonstrar publicamente preocupação com o trâmite do PL 3.729/2004 sobre licenciamento ambiental, e solicitar a execução de audiências públicas em seu processo de aprovação.

A ARTIGO 19 é uma organização internacional de direitos humanos fundada em Londres em 1987 e voltada para a proteção e promoção do direito à liberdade de expressão e do acesso à informação pública. Hoje, a ONG conta com escritórios na América Latina, na América do Norte, na África, na Ásia e na Europa e possui status consultivo junto à ONU (desde 1991), além de registro junto à OEA.

Desde 2007, a organização tem participado ativamente de discussões relacionadas às diversas modalidades da liberdade de expressão, ao direito de acesso à informação pública, bem como a participação e controle social em temas ambientais no âmbito nacional e internacional.

Vale destacar que, para além da garantia dos direitos à liberdade de expressão (art. 5º, IV) e do acesso à informação (art. 5º, XX), a Constituição brasileira, em seu art. 225, consagra o dever público e coletivo de proteção ambiental, o que inclui a necessidade de participação na formulação de políticas que tenham impacto na área. Ainda nessa esfera, documentos internacionais também reconhecem com ênfase a necessidade do controle social para a promoção da sustentabilidade.

Uma recente conquista no âmbito internacional foi a Opinião Consultiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos, solicitada pelo estado Colombiano, que reconhece a relação íntima entre a proteção ao meio ambiente e a garantia de outros direitos humanos e, no sentido de assegurar esta proteção, elenca o direito à participação pública na tomada de decisões e elaboração de políticas que afetem o meio ambiente como um fator absolutamente essencial.

Em sentido contrário a este raciocínio e aos direitos de participação pública estabelecidos nacional e internacionalmente, destaca-se que a proposta atual de licenciamento ambiental prevê níveis insuficientes de abertura à participação pública nos procedimentos que estabelece, restringindo o envolvimento da comunidade estritamente à fase anterior à emissão da licença prévia. Ademais, a redação atual trata com desequilíbrio a participação dos diferentes atores no processo decisório, valorizando o papel de empreendedores em detrimento da participação das populações afetadas, por exemplo.

A deficiência na participação social prevista no projeto alia-se à ausência de debates públicos em sua própria tramitação, o que é inaceitável diante da complexidade da proposta e do fato de se tratar de pauta sensível à sociedade brasileira, na medida em que implica inúmeros impactos em diversas áreas de interesse público e, por consequência, exige a efetiva participação da sociedade por meio de discussões qualificadas e diversificadas no âmbito do processo legislativo.

Sobre esta necessidade, imprescindível ao funcionamento da democracia participativa, organismos internacionais como a ONU são enfáticos e, inclusive, os relatores para questões como a Liberdade de Expressão e Informação e o Direito de Reunião Pacífica e Associação já se manifestaram no sentido de que “as consultas públicas no processo legislativo são um elemento sempre indispensável ao desenvolvimento de políticas e na preparação de legislação”.

Nesse sentido, a temática da participação no que se refere ao projeto de lei em questão é fundamental – seja pelos temerários efeitos que a proposta impõe a este aspecto do exercício da cidadania no curso do licenciamento ambiental, seja pela evidente falta de participação no próprio trâmite do projeto.

Diante da importância da temática discutida e das especificidades da proposta em discussão, a ARTIGO 19 deseja:

i) Demonstrar especial atenção ao trâmite do presente projeto, e sua preocupação com uma possível lei aprovada nestes termos;

ii) Clamar a responsabilidade por parte do Presidente da Casa, dentro dos poderes e atribuições a si regulamentarmente conferidos, a fim de evitar a aprovação de uma lei de tamanha importância sem os devidos debates;

iii) Solicitar publicamente a realização de debates públicos, inclusive por meio de audiências públicas no trâmite legislativo do PL 3729/04, para garantir a participação e o controle social na formulação de uma política pública de especial relevância no contexto brasileiro.



Foto: Wikicommons

* A ARTIGO 19 é uma organização não-governamental de direitos humanos que trabalha pela promoção da liberdade de expressão e informação.



in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/04/2018