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quinta-feira, 15 de março de 2012

Código Florestal. Tema paradigmático da degradação da agenda socioambiental


A forma como o governo vem tratando o debate em torno do novo Código Florestal é revelador do pouco compromisso com a questão ambiental. A desfiguração do Código não teria sido possível sem a frouxidão do governo.

Segundo as organizações ambientalistas “a iminente votação de uma proposta de novo Código Florestal é o ponto paradigmático desse processo de degradação da agenda socioambiental que flexibiliza a legislação de proteção às florestas, concede anistia ampla para desmatamentos irregulares cometidos até julho de 2008, instituindo a impunidade que estimulará o aumento do desmatamento, além de reduzir as reservas legais e Áreas de Proteção Permanente em todo o País”.

As organizações dizem ainda que “a versão em fase final de votação afronta estudos técnicos de muitos dos melhores cientistas brasileiros, que se manifestam chocados com o desprezo pelos alertas feitos sobre os erros grosseiros e desmandos evidentes das propostas de lei oriundas da Câmara Federal e do Senado”.

De fato, não são de hoje as duras críticas feitas pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPB) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) pela forma como o governoDilma trata a temática ambiental. As organizações, há tempos vêm alertando para os equívocos do governo no debate do Código Florestal.

APPs. Corredores ecológicos em risco

Entre os maiores equívocos está o tema das Áreas de Preservação Permanente (APPs). AsAPPs têm a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora e proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas. São áreas que protegem as margens dos rios, encostas, topos de morro, restingas, mangues e biomas específicos.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) acabam de divulgar uma carta na qual alertam para os equívocos de tratar asAPPs como se fossem áreas de Reserva Legal. A Reserva Legal é um pedaço de terra dentro de cada propriedade rural passível de ser alterado, mas que deve manter parte da vegetação original para garantir a biodiversidade da área, protegendo sua fauna e flora. Sua extensão varia de acordo com a região do país: 80% do tamanho da propriedade na Amazônia, 35% no Cerrado nos Estados da Amazônia Legal e 20% no restante do território nacional.

As APPs, porém, segundo os cientistas, deveriam se manter como áreas intocáveis. SegundoJosé Eli da Veiga, professor do Instituto de Relações Institucionais da USP, “é unânime entre técnicos e cientistas que as APPs (…) devem ser entendidas como sagradas. As APPs são santuários da prudência econômico-ecológica. Quanto mais avança o conhecimento científico, mais evidências confirmam essa já antiga constatação”, afirma ele.

Na opinião de entidades como a SBPC e a ABC, “todas as áreas de preservação permanente (APP) nas margens de cursos d’água e nascentes devem ser preservadas e, quando degradadas, devem ter sua vegetação integralmente restaurada”. As organizações destacam que “essas áreas são importantes provedoras de serviços ecossistêmicos, principalmente, a proteção de nossos recursos hídricos e, por isso, objeto de tratados internacionais de que o Brasil é signatário, como a Convenção de Ramsar (Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional)”.

De acordo com o secretário da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), José Antônio Aleixo da Silva, “as APPs, como o próprio nome diz, são áreas de manutenção de biodiversidade, fluxos gênicos, corredores ecológicos”.

O conceito de APPs, por ocasião da primeira votação na Câmara dos Deputados (maio de 2011), foi praticamente extinto e ato contínuo aprovou-se a anistia aos produtores que desmataram APPs às margens dos rios e encostas até 2008. A repercussão dessa decisão foi enorme e deixou o governo numa situação delicada. Com a tramitação do Código no Senado se restabeleceu que não haveria anistia e definiu-se pela reconstituição de 15 metros de vegetação para rios de até 10 metros, e de uma faixa entre 30 e 100 metros para os demais, e mais importante, determina o corte do crédito aos proprietários de terras que não regularizam as propriedades no prazo máximo de cinco anos.

Agora, em fase de votação final, questões como a anistia aos desmatadores, a diminuição das Áreas de Preservação Permanente (APPs), a manutenção das Reservas Legais e a Emenda 164 voltaram à tona. O parecer do deputado Paulo Piau (PMDB-MG) ameaça novamente as exigências aprovadas no Senado. Entre elas, e principal, a recuperação da vegetação nativa em áreas de preservação permanentes (APP) às margens de rios considerada o principal pilar do novo Código Florestal.

O agronegócio não aceita a exigência de recuperação de pelo menos 15 metros de vegetação nativa às margens de rios mais estreitos. A regra, aprovada pelos senadores em dezembro, não zera o passivo ambiental estimado no País, de cerca de 80 milhões de hectares. Para aFrente Parlamentar da Agropecuária – da qual o relator Paulo Piau (PMDB-MG) faz parte -, a recuperação de vegetação nativa representará a perda de áreas produtivas nas propriedades rurais. Piau também recusa a proteção de áreas de manguezais, os apicuns e salgados, assim como a punição dos produtores rurais que não regularizarem suas propriedades no prazo de cinco anos.

A ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira reagiu a qualquer tentativa de recuo no texto já aprovado pelo Senado: “Não aceito desfigurar o Código Florestal aprovado no Senado”, disse ela. Segundo a ministra, “o governo não aceita negociar uma regra mais flexível para a recuperação da vegetação nativa às margens de rios e outras áreas de preservação permanente (APPs)”.

“Não tem sentido flexibilizar essa norma”, afirmou a ministra. “Ao plantar área de preservação permanente, o produtor não está perdendo, está assegurando a produtividade para a propriedade, a oferta de água, etc”, reiterou. Para a ministra, “o texto aprovado no Senado representa a convergência. Não é o texto dos sonhos dos ambientalistas nem é o texto dos sonhos dos ruralistas (…) Temos de evitar retrocessos. Não tem motosserra, não tem anistia, não tem aumento do desmatamento. Temos de assegurar a produção de alimentos nesse País, temos de assegurar agricultura com competitividade nos mercados internacionais. Não tem jogo jogado”.

(Ecodebate, 15/03/2012) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

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